HERA E ZEUS

JOHN DELVILLE

quinta-feira, 19 de julho de 2007

PARADOXO DA SABEDORIA

São muito raros no género humano os homens verdadeiramente sábios;
o concurso de condições e circunstâncias especiais necessário para
que os haja, ocorre com tanta dificuldade que não deve admirar a
sua raridade: demais a sua aparição pouco ou nada aproveita aos
outros homens que os desprezam, perseguem ou motejam, incapazes
de compreendê-los, e os obrigam finalmente ao silêncio, retiro e
reclusão.
(...) Não esperem os homens por, maior que seja o progresso da sua
inteligência, chegar a conhecer as verdades capitais e primitivas
sobre a essência e natureza das coisas: mudarão de erros, fábulas,
hipóteses e teorias, mas nunca poderão alcançar conhecimentos que
hajam de mudar a natureza humana, e fazer os homens diversos do que
farão e do que são.
O mundo varia aos olhos e nas opiniões dos homens, conforme as
idades e condições da vida.

Marquês de Maricá, in 'Máximas, Pensamentos e Reflexões'

MASSIFICAÇÃO DO HOMEM

A tragédia é a cristalização da massa humana, tão perigosa
como a estagnação do espírito do homem que se torna académico
ou fenece por falta de entusiasmo.
E estou absolutamente crente que do naufrágio calamitoso apenas
se hão-de salvar os que pela porta do cavalo fugirem ao triturar
das grandes colectividades humanas, ou os que por força invencíve
l e instintiva se libertarem para uma nova categoria de homem, ou,
melhor dizendo, para a sua verdadeira categoria de homem,
de homem-pensamento, na linha directa de um Platão,
de um Homero, de um Aristófanes, de um Plutarco.

A humanidade dá-nos, assim, um triste espectáculo de andar
para trás, melhora em lepra social, colectiviza-se e baixa
logo na escala humana.

Ruben A., in 'O Mundo À Minha Procura I'

O RITMO DO TEMPO

Afinal também não importa que o ritmo das coisas tenha sido o mesmo, se todas as coisas existem para um ritmo que lhes é íntimo à sua própria expressão de coisas. Houve sábados e domingos sextas e quintas segundas e terças e sempre uma quarta-feira a comandar no equilíbrio do princípio e do fim. Com os dedos mataram-se formigas que estavam fáceis ao alcance de um piparote e através das mãos fizemos a construção de novos dias. Cada um de nós teve uma história mais ou menos grande e mais ou menos importante para contar no seu íntimo. Às vezes eu lá encontrava um de nós para logo ter a impressão que se apoderava de todos uma moléstia sentimental de visão acabrunhada e de história em história ou de pieguice para pieguice caminhávamos inúteis no amorfo de abatjours contemplativos.

Ruben A., in 'Caranguejo'

quarta-feira, 11 de julho de 2007

A ARTE DE CONVERSAR

O que faz com que poucas pessoas sejam agradáveis
na conversação é que cada uma pensa mais no que tem
a intenção de dizer do que naquilo que as outras
dizem, e que não se escuta às demais quando se tem
vontade de falar.
Para agradar aos outros é preciso falar daquilo de
que eles gostam e que os interessa, evitar as
discussões sobre coisas indiferentes, formular-lhes
raramente perguntas e não os deixar crer que se pretende
ter mais razão que eles.
Evitemos sobretudo falar frequentemente de nós mesmos
e de nos darmos como exemplo. Nada é mais desagradável
do que uma pessoa que se cita a si mesma a cada passo.

La Rochefoucauld, in 'Reflexões Diversas'

terça-feira, 10 de julho de 2007

NIETZSCHE

Com a força do seu olhar intelectual e da sua penetração espiritual cresce a distância e, de certo modo, o espaço que circunda o homem: o seu mundo torna-se mais profundo, avistam-se continuamente estrelas novas, imagens novas e novos enigmas. Talvez tudo aquilo em que o olhar do espírito exercitou a sua sagacidade e profundeza tenha sido apenas um pretexto para este exercício, um jogo e uma criancice e infantilidade. E talvez um dia os conceitos mais solenes, os que provocaram maiores lutas e maiores sofrimentos, os conceitos de "Deus" e do "pecado", não signifiquem, para nós, mais do que um brinquedo e um desporto de criança significam para um velho, - e talvez o "velho homem" tenha, então, necessidade de um outro brinquedo ainda e de um outro desgosto, - por continuar a ser muito criança, eterna criança!

Friedrich Nietzsche (Para Além de Bem e Mal)

segunda-feira, 9 de julho de 2007

TUDO É FUGAZ

Considera com frequência a rapidez com que se passam
e desaparecem os seres e os acontecimentos.
A substância, como um rio, está em perpétuo fluir,
as forças em perpétuas mudanças, as causas a
modificarem-se de mil maneiras;
apenas há aí uma coisa estável; e abre-se-nos aos pés
o abismo infinito do passado e do futuro onde tudo se some.
Como não há-de ser louco o homem que, neste meio,
se incha ou se encrespa ou se lamenta,
como se qualquer coisa o tivesse perturbado
durante um tempo que se visse,
um tempo considerável?

Marco Aurélio (Imperador Romano), in "Pensamentos"

DECIDIR E AGIR - ARISTÓTELES

Decidir e agir voluntariamente não é, contudo, a mesma coisa,
pois, a ação voluntária é um fenómeno mais abrangente.
É por essa razão que ainda que tanto as crianças como
os outros seres vivos possam participar na ação voluntária,
não podem, contudo, participar na decisão.
Também dizemos que as ações voluntárias dão-se subitamente, mas não assim de acordo com uma decisão.
Os que dizem que a decisão é um desejo, ou uma afecção,
ou anseio, ou uma certa opinião, não parecem dizê-lo corretamente,
porque os animais irracionais não tomam parte nela.
Por outro lado, quem não tem autodomínio age cedendo ao desejo, e,
desse modo, não age de acordo com uma decisão.
Finalmente, quem tem autodomínio age, ao tomar uma decisão,
mas não age, ao sentir um desejo.
Um desejo pode opor-se a uma decisão, mas já não poderá
opor-se a um outro desejo.
O desejo tem em vista o que é agradável e o que é desagradável.
A decisão, contudo, não é feita em vista do desagradável nem do agradável.

Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'

AMOR FORA DE CONTROLE

É propriedade do amor o ser violento; e é propriedade
da violência o não durar. O amor acaba-se em nós,
não por nossa vontade, mas porque tem por natureza
o acabar; e ainda que tudo há-de acabar connosco,
nem tudo espera por nós. Quando amamos, é por força,
porque a fermosura que nos inclina, nos vence; e também
é por força quando não amamos; porque uma vez rotos
os laços, ficamos de tal sorte livres, que ainda que queiramos,
não podemos tornar a eles; e assim não está na nossa mão
o não amar, nem também o amar; o coração por si mesmo
se acende, e entibiece; nós, não o podemos inflamar,
nem extinguir-lhe o ardor.

Matias Aires, in 'Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens e Carta Sobre a Fortuna'

SCHOPENHAUER

"O esforço sem fim nem descanso em todos os graus
de objetividade em que o mundo consiste;
as múltiplas formas sucessivas em gradação;
a manifestação total da vontade; e, finalmente,
as formas universais dessa manifestação, tempo e espaço,
e também a sua última forma fundamental, sujeito e objeto,
tudo fica abolido.
Nem vontade, nem ideia, nem mundo.
Temos perante nós apenas o nada."


SCHOPENHAUER

GOETHE - FAUSTO

Eu sou Mephistópheles. Mephistópheles, é o diabo. E todos vocês são Faustos. Faustos, os que vendem a alma ao diabo.

Tudo é vaidade neste mundo vão, tudo é tristeza, é pop, é nada. Quem acredita em sonhos é porque já tem a alma morta. O mal da vida cabe entre nossos braços e abraços.

Mas eu não sou o que vocês pensam. Eu não sou exatamente o que as Igrejas pensam. As Igrejas abominam-me. Deus me criou para que eu o imitasse de noite. Ele é o Sol, eu sou a Lua.

A minha luz paira sobre tudo que é fútil: margens de rios, pântanos, sombras.

Quantas vezes vocês viram passar uma figura velada, rápida, figura que lhe darei toda felicidade. Figura que te beijaria indefinidamente. Era eu. Sou eu.

Eu sou aquele que sempre procuraste e nunca poderá achar. Os problemas que atormentam os Deuses. Quantas vezes Deus me disse citando João Cabral de Melo Neto: Ai de mim, ai de mim. Quem sou eu?

Quantas vezes Deus me disse: Meu irmão, eu não sei quem eu sou.

Senhores, venham até mim, venham até mim, venham. Eu os deixarei em rodopios fascinantes, vivos nos castelos e nas trevas, e nas trevas vocês verão todo o esplendor.

De que adianta vocês viverem em casa como vocês vivem? De que adianta pagar as contas no fim do mês religiosamente, as contas de luz, gás, telefone, condomínio, IPTU?

Todos vocês são Faustos. Venham, eu os arrastarei por uma vida bem selvagem através de uma rasa e vã mediocridade, que é o que vocês merecem.

As suas bem humanas insaciabilidade, terão lábios, manjares, bebidas.

É difícil encontrar quem não queira vender sua alma ao diabo.

As últimas palavras de Goethe ao morrer foram: Luz, luz, mais luz!!


(GOETHE)

sábado, 7 de julho de 2007

A NECESSIDADE DO OUTRO

Os homens sempre tiveram muita necessidade
de se amarem uns aos outros.
Construíram esse amor como construíram pontes.
Foram necessárias abóbadas sonoras para tornar
a multidão mais presente para a multidão;
e palavras incompreensíveis para que se cantasse
com todo o coração; e uma música bem ritmada,
para que todos pudessem dizer as mesmas coisas
ao mesmo tempo.
(...) Só querer relacionar-se com aqueles que se aprovam
em tudo é quimérico, e é o próprio fanatismo.

Alain, in 'Considerações II'

QUE TEMPO É O NOSSO?

Que tempo é o nosso? Há quem diga que é um tempo a que falta amor.
Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que
era nobre foi degradado.
Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando
a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é
o mais abominável dos simulacros. Toda a arte moderna nos dá
conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem.
Desamparado até à medula, afogado nas águas difíceis da sua contradição,
morrendo à míngua de autenticidade - eis o homem!
Eis a triste, mutilada face humana, mais nostálgica de qualquer
doutrina teológica que preocupada com uma problemática moral,
que não sabe como fundar e instituir, pois nenhuma fará autoridade
se não tiver em conta a totalidade do ser; nenhuma, em que espírito
e vida sejam concebidos como irreconciliáveis; nenhuma, enquanto
reduzir o homem a um fragmento do homem.
Nós aprendemos com Pascal que o erro vem da exclusão.

Eugénio de Andrade, in 'Os Afluentes do Silêncio'

sexta-feira, 6 de julho de 2007

A MELHOR COMPANHIA

Considero saudável estar só na maior parte do tempo.
Estar acompanhado, mesmo pelos melhores, cedo se
torna enfadonho e dispersivo.
Adoro estar só.
Nunca encontrei um companheiro tão sociável
como a solidão. Estamos geralmente mais sós
quando viajamos com outros homens do que quando
permanecemos nos nossos aposentos.
Um homem quando pensa ou trabalha está sempre só,
deixai-o pois estar onde ele deseja.
A solidão não é medida pelas milhas de espaço
que separam um homem e os seus congéneres.

Henry David Thoreau, in 'Walden'

JOHN LOCKE

Aquele que se tenha erguido acima do cesto das esmolas
e não se tenha contentado em viver ociosamente das
sobras de opiniões suplicadas, que pôs a funcionar
os seus próprios pensamentos para encontrar e seguir a
verdade, não deixará de sentir a satisfação do caçador;
cada momento da sua busca recompensará os seus
dissabores com algum prazer; e terá razões para pensar
que o seu tempo não foi mal gasto, mesmo quando não
se puder gabar de nenhuma aquisição especial.

John Locke, in 'Ensaio Sobre o Entendimento Humano'

IDEAIS FATAIS

Não há ideal a que possamos sacrificar-nos,
porque de todos eles conhecemos a mentira,
nós os que ignoramos em absoluto o que seja a verdade.
A sombra terrestre que se alonga por detrás dos deuses
de mármore basta para nos afastar deles.
Ah, com que amplexo o homem se estreitou a si próprio!
Pátria, justiça, grandeza, piedade, verdade, qual das suas
estátuas não traz em si os sinais das mãos humanas para
que não desperte a mesma ironia triste que os velhos rostos
outrora amados? Compreender não significa necessariamente
aceitar todas as loucuras. E, no entanto, quantos sacrifícios,
quantos heroísmos injustificados dormem em nós...

André Malraux, in 'A Tentação do Ocidente'

NINGUÉM MORRE ANTES DA HORA

Uma pessoa viveu longo tempo e no entanto pouco viveu;
atentai para isso enquanto estais aqui.
Terdes vivido o bastante depende da vossa vontade,
não do número de anos. Pensáveis nunca chegar aonde
estáveis indo incessantemente? E no entanto não há caminho
que não tenha o seu fim. E, se a companhia vos pode consolar,
não vai o mundo no mesmo passo em que ides?
Todas as coisas seguir-vos-ão na morte (Lucrécio).
Tudo não dança a vossa dança? Há coisa que não envelheça convosco?
Mil homens, mil animais e mil outras criaturas morrem nesse mesmo
instante em que morreis: Pois nunca a noite sucedeu ao dia,
nem a aurora à noite, sem ouvir, mesclados aos vagidos da criança,
os gritos de dor que acompanham a morte
e os negros funerais (Lucrécio).


Michel de Montaigne, in 'Ensaios'

quinta-feira, 5 de julho de 2007

O QUE SE PODE PROMETER

Pode-se prometer acções, mas não sentimentos, pois estes são involuntários. Quem promete a alguém amá-lo sempre, ou odiá-lo sempre, ou ser-lhe sempre fiel, promete algo que não está em seu poder; mas o que pode perfeitamente prometer são aquelas acções que, na verdade, são geralmente as consequências do amor, do ódio, da fidelidade, mas que também podem emanar de outras razões, pois a uma acção conduzem diversos caminhos e motivos. A promessa de amar sempre alguém significa, portanto: enquanto eu te amar, manifestar-te-ei as acções do amor; se eu já não te amar, pois, não obstante, receberás para sempre de mim as mesmas acções, ainda que por outros motivos. De modo que a aparência de que o amor estaria inalterado e continuaria sendo o mesmo permanece na cabeça das outras pessoas. Promete-se, por conseguinte, a persistência da aparência do amor, quando, sem ilusão, se promete a alguém amor perpétuo.


Friedrich Nietzsche, in 'Humano, Demasiado Humano'

NUNCA SE ESCREVE PARA SI MESMO

O escritor não prevê nem conjectura: projecta. Acontece por vezes que espera por si mesmo, que espera pela inspiração, como se diz. Mas não se espera por si mesmo como se espera pelos outros; se hesita, sabe que o futuro não está feito, que é ele próprio que o vai fazer, e, se não sabe ainda o que acontecerá ao herói, isto quer simplesmente dizer que não pensou nisso, que não decidiu nada; então, o futuro é uma página branca, ao passo que o futuro do leitor são as duzentas páginas sobrecarregadas de palavras que o separam do fim. Assim, o escritor só encontra por toda a parte o seu saber, a sua vontade, os seus projectos, em resumo, ele mesmo; atinge apenas a sua própria subjectividade; o objecto que cria está fora de alcance; não o cria para ele. Se relê o que escreveu, já é demasiado tarde; a sua frase nunca será a seus olhos exactamente uma coisa. Vai até aos limites do subjectivo, mas sem o transpor; aprecia o efeito dum traço, duma máxima, dum adjectivo bem colocado; mas é o efeito que produzirão nos outros; pode avaliá-lo, mas não senti-lo.
Não é portanto verdade que se escreva para si mesmo: seria o pior fracasso; ao projectar as emoções no papel, a custo se conseguiria dar-lhes um prolongamento langoroso.
Mas a operação de escrever implica a de ler como seu correlativo dialético, e estes dois actos conexos precisam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor e do leitor que fará surgir o objecto concreto e imaginário que é a obra do espírito. Só há arte para os outros e pelos outros.

( JEAN PAUL SARTRE)

AMOR SEM AMAR - PLATÃO

Os amantes arrependem-se do bem que fizeram, quando o seu desejo já se exinguiu,
ao passo que aqueles que não têm amor nunca tiveram a oportunidade de se arrepender;
pois não é sob o jugo da paixão, mas voluntariamente, e conduzindo bem os seus interesses,
sem ultrapassar os limites dos seus próprios recursos, que eles fazem bem ao amigo.
Além disso, os amantes repassam na mente os danos que o amor lhes causou nos negócios
e as liberalidades que eles fizeram, e, acrescentando a isso a dor que sentiram, julgam que
há muito tempo que têm vindo a pagar o preço dos favores obtidos. Já aqueles que não estão apaixonados não podem nem usar como pretexto os seus negócios negligenciados por causa
do amor, nem alegar as intrigas dos familiares, de modo que, isentos de todos esses aborrecimentos, eles só têm que se empenhar em fazer tudo o que acham que deve
agradar ao seu bem-amado.


Platão, in 'Fedro'

BERTRAND RUSSELL

Às vezes eu tenho a visão de um mundo de

seres humanos felizes, vigorosos, inteligentes,

nenhum opressor, nenhum oprimido.

A humanidade inteira é uma única família, e

podemos ser todos felizes ou todos miseráveis.

Passou o tempo em que podia existir uma

minoria feliz vivendo sobre a miséria da

grande maioria. Isto se foi para sempre.

As pessoas não o aceitam mais; por isso

devemos aprender a tolerar a felicidade do

próximo.


(BERTRAND RUSSELL)