HERA E ZEUS

JOHN DELVILLE

sábado, 16 de agosto de 2008

CLARICE LISPECTOR

Se eu fosse eu



"Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria melhor, sentir.

E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavem a ser elas mesmas, e mudavam inteiramente de vida. Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.

Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu, e confiaria o futuro ao futuro.

"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova do desconhecido. No entanto tenho a intuição de que, passadas a primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais."


CLARICE LISPECTOR

EDGAR MORIN

Ser intelectual e fazer parte dos intelectuais são duas coisas

que simultaneamente se identificam e opõem. Há um

determinismo de coletividade; assim, os gafanhotos isolados

são insetos amáveis, cada um devotado aos seus pequenos

assuntos, tendo cada um o seu comportamento. Mas a partir

de uma certa densidade, de resto demasiado fraca, tornam-se

uma turba onde as individualidades desaparecem, perdem a

sua cor esverdeada em troca de um uniforme e padronizado

amarelo-acinzentado, adquirem um comportamento estereotipado

e transformam-se em impiedosos devoradores, destruindo tudo

o que for obstáculo ao seu ímpeto. Da mesma forma, os intelectuais

são, isoladamente, simpáticos indivíduos, cada um dedicado à

sua obra, mas a sua reunião em sociedade faz deles monstros.




Edgar Morin - Os Meus Demônios

OSCAR WILDE

O artista é o criador de coisas belas.
Revelar a arte e ocultar o artista é a finalidade da arte.
O crítico é aquele que pode traduzir, de um modo diferente
por um novo processo, a sua impressão das coisas belas.
A mais elevada, como a mais baixa, das formas
de crítica é uma espécie de autobiografia.
Os que encontram significações feias em coisas belas
são corruptos sem serem encantadores.Isto é um defeito.
Os que encontram belas significações em coisas belas são cultos. Para estes, há esperança.
Existem os eleitos, para os quais as coisas belas significam unicamente beleza.
A vida moral do homem faz parte do tema para o artista,
mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio imperfeito.
O artista nada deseja provar. Até as coisas verdadeiras podem ser provadas.
Nem um artista tem simpatias éticas. A simpatia ética
num artista constitui um maneirismo de estilo imperdoável.
O artista jamais é mórbido. O artista tudo pode exprimir.
Pensamento e linguagem são para o artista instrumentos de uma arte.
Vício e virtude são para o artista materiais para uma arte.
Do ponto de vista da forma, o modelo de todas as artes é a do músico.
Do ponto de vista do sentimento, é a profissão do ator.
Toda arte é ao mesmo tempo superfície e símbolo.
Os que buscam sob a superfície, fazem-no por seu próprio risco.
Na realidade a arte reflete o expectador e não a vida.
A divergência de opiniões sobre uma obra
de arte indica que a obra é nova, complexa e vital.
Quando os críticos divergem, o artista está de acordo consigo mesmo.
Podemos perdoar a um homem por haver feito uma coisa útil, contanto
que não a admire.A única desculpa de haver feito
uma coisa inútil é admirá-la intensamente.
Toda arte é completamente inútil.



OSCAR WILDE