Que tempo é o nosso? Há quem diga que é um tempo a que falta amor.
Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que
era nobre foi degradado.
Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando
a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é
o mais abominável dos simulacros. Toda a arte moderna nos dá
conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem.
Desamparado até à medula, afogado nas águas difíceis da sua contradição,
morrendo à míngua de autenticidade - eis o homem!
Eis a triste, mutilada face humana, mais nostálgica de qualquer
doutrina teológica que preocupada com uma problemática moral,
que não sabe como fundar e instituir, pois nenhuma fará autoridade
se não tiver em conta a totalidade do ser; nenhuma, em que espírito
e vida sejam concebidos como irreconciliáveis; nenhuma, enquanto
reduzir o homem a um fragmento do homem.
Nós aprendemos com Pascal que o erro vem da exclusão.
Eugénio de Andrade, in 'Os Afluentes do Silêncio'
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