Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões
posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um.
O outro pelo qual estou apaixonado me designa a especialidade
do meu desejo.
Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes
(e talvez muitas procuras), para que eu encontre a Imagem que,
entre mil, convém ao meu desejo. Eis um grande enigma do qual
nunca terei a solução: por que desejo Esse? Por que o desejo por
tanto tempo, languidamente? É ele inteiro que desejo (uma silhueta,
uma forma, uma aparência)? Ou é apenas uma parte desse corpo?
E nesse caso, o que, nesse corpo amado, tem tendência de
fetiche em mim? Que porção, talvez incrivelmente pequena,
que acidente? O corte de uma unha, um dente um pouquinho
quebrado obliquamente, uma mecha, uma maneira de fumar
afastando os dedos para falar? De todos esses relevos do corpo
tenho vontade de dizer que são adoráveis. Adorável quer
dizer: este é meu desejo, tanto que único:
“É isso! É exatamente isso (que amo)!”
Roland Barthes - Fragmentos de um discurso amoroso
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