HERA E ZEUS

JOHN DELVILLE

terça-feira, 29 de abril de 2008

A FELICIDADE

A felicidade é um estado. Isso quer dizer uma maneira de ser

que consiste em ser por nada senão por ser e em encontrar

nessa maneira de ser assim gratuitamente uma forma de

plenitude. Em virtude disso, a felicidade não está nas coisas nem

é alguma coisa. Ela também não está em alguém nem é alguém,

mas está na maneira pela qual se vivem as coisas e os outros.

Tudo pode, portanto, tornar-se ocasião de felicidade.

Todo mundo igualmente. Por menos que se faça não só um

esforço para ser, mas também e sobretudo o esforço de ser.

Donde a extraordinária liberdade da felicidade.

Sua extraordinária capacidade igualmente de poder transformar tudo.



BERTRAND VERGERLY

BALTASAR GRACIÁN

O desejo é a medida da estima. Jamais se deve

contentá-lo por completo. O bom é duplamente

bom quando há pouco. O gozo pleno demais é

perigoso, pois é a causa pela qual se despreza

a mais alta perfeição. A única regra do prazer é

encontrar o apetite que se deixou esfomeado.

É preciso provocá-lo pela impaciência: o que

custa sofrimento contenta duplamente.




(BALTASAR GRACÍAN)

NUNO JÚDICE

A IMAGEM DO VENTO






No princípio, desenvolveu a idéia de que o arco-íris era uma

ponte: aparecia sobre os barcos, no fim dos temporais, e o

marinheiro da gávea avistava uma mulher de cabelos de ouro,

agitados pelo vento, a atravessá-la; alguns desses marinheiros

enlouqueceram. Conheceu-os, durante os meses em que estudou

os costumes dos portos - sentavam-se à parte, nas tabernas, e

acendiam uma vela. Diziam que o brilho da chama evocava os

cabelos dourados dessa mulher; e que o azul do alcoól os fixava,

como um olhar celeste.

Tentou então viver essa experiência: embarcou num velho

cargueiro e, durante dois ou três anos, percorreu os mares.

Mas nunca encontrou a deusa; nem os arco-íris formavam o

arco completo da ponte que imaginara. Também ele enlouqueceu,

e dizem que sobe ao telhado da casa, nas noites

de temporal, e grita pelo sol, a quem dá um nome de mulher;

até ficar rouco e o trazerem para o quarto. Aí, até adormecer,

murmura esse nome sem corpo, sem imagem, sem luz.



Nuno Júdice

A ARTE - F. PESSOA

A arte mente porque é social. E há só duas grandes formas

de arte - uma que se dirige à nossa alma profunda, a outra

que se dirige à nossa alma atenta. A primeira é a poesia,

o romance a segunda. A primeira começa a mentir na própria

intenção. Uma pretende dar-nos a verdade por meio de

linhas variadamente regradas, que mentem à inerência

da fala; outra pretende dar-nos a verdade por uma

realidade que todos sabemos bem que nunca houve.


FERNANDO PESSOA

quinta-feira, 10 de abril de 2008

MILAN KUNDERA

Outrora, eu também considerei o futuro como único juiz

competente de nossas obras e de nossos atos.

Mais tarde é que compreendi que o namoro com o futuro

é o pior dos conformismos, a covarde adulação do mais forte.

Pois o futuro é sempre mais forte que o presente.

É realmente ele, com efeito, que nos julgará.

E, certamente, sem nenhuma competência.



MILAN KUNDERA

MARIO VARGAS LLOSA

Quando fechamos os olhos e pensamos nos Andes a distância,

a primeira imagem que costuma aflorar á mente é a de uma

paisagem desumanizada, de cordilheirs de picos eretos e

nevados, abismos vertiginosos e vastas solidões ns quais

às vezes plana um solitário condor. Contudo, o que confere

mais dramatismo é a potência esmagadora da paisagem

em contraste com a fragilidade do homem; este invisível

povoador da minúscula aldeia que, ao pé da cordilheira

gigantesca, habita em vivendas quase invisíveis, semelhantes

a flocos de neve caídos do alto. O contraste tem um grande

efeito de plasticidade; e é, também, a demonstração evidente

do indômito espírito que fez com que esse povo fincasse

raízes nos Andes. Viver em certas regiões andinas, apesar

dos avanços da modernidade, continua sendo um combate

cotidiano.


MARIO VARGAS LLOSA

CARLOS NEJAR

... quem não sabe imaginar não sabe ver... e o que é mágico

desarruma a lógica. Se os homens calam, falarão pedras.

Se as pedras calam, falarão bichos. Ou então todas as

coisas falarão na sua hora de viagem. O maravilhoso da

palavra é que pertence a quem a toma. Não somos tão

celestes, mas a humanidade é tudo que nos adota.

Sem ser fábula, fabulamos...


(Carlos Nejar)

HERMANN HESSE

“- Quando alguém procura muito - explicou Sidarta -

pode facilmente acontecer que seus olhos se concentrem

exclusivamente no objeto procurado e que ele fique incapaz

de achar o que quer que seja, tornando-se inacessível a

tudo e a qualquer coisa porque sempre só pensa naquele

objeto, e porque tem uma meta, que o obceca inteiramente.

Procurar significa: ter uma meta. Mas achar significa: estar

livre, abrir-se a tudo, não ter meta alguma. Pode ser que tu,

ó venerável, sejas realmente um buscador, já que, no afã de

te aproximares da tua meta, não enxergas certas coisas que

se encontram bem perto dos teus olhos.”



HERMANN HESSE - SIDARTA

GARCIA LORCA

A imaginação dos homens inventou os gigantes para

atribuir-lhes a construção das grandes cavernas ou

"cidades encantadas". A realidade depois ensinou que

essas grandes cavernas foram feitas pela gota d'água,

paciente e eterna. A imaginação estava no seu ponto

lógico ao atribuir a gigantes o que parecia obra de

gigantes; mas a realidade científica, punha sua verdade

nas limpas gotas da água perene. Porque é mais belo

uma caverna ser um misterioso capricho da água

encadeada e ordenada por leis eternas que o capricho

de uns gigantes, que não tem mais sentido que o de

uma explicação.


Garcia Lorca

ARTHUR RIMBAUD

O poeta se torna vidente por meio de uma longa, imensa e

refletida desordem de todos os sentidos. Todas as formas de

amor, de sofrimento, de loucura, ele procura por si mesmo,

extrai de si mesmo todos os venenos, para guardar deles

apenas a quinta-essência (...) Pois ele consegue atingir o

desconhecido. Porque ele cultivou sua alma, já rica, mais

do que qualquer outro! Que morra nesse seu ímpeto pelas

coisas extraordinárias e incomunicáveis: outros virão, eles

começarão pelos horizontes onde o poeta se aniquilou!

O poeta é, pois, verdadeiramente, um ladrão de fogo.



ARTHUR RIMBAUD

ALDOUS HUXLEY

O “eu” que penso ser e o “eu” que realmente sou!

Em outros termos, o sofrimento. Cerca de um terço do

sofrimento que devo suportar é inteiramente inevitável por ser

inerente à propria condição humana. Representa o preço

que todos temos que pagar pelo fato de sermos dotados

de sensibilidade; embora sedentos de liberação, nos sujeitamos

às leis naturais que nos obrigam a continuar caminhando

(sem poder retroceder) através de um mundo inteiramente

indiferente ao nosso bem-estar. Caminhando em direção à

decrepitude e à certeza da morte. Os outros dois terços são

“confeccionados em casa” e o universo os considera

inteiramente supérfluos.



Aldous Huxley

COMTE-SPONVILLE

A vida é boa acima de tudo; é boa por si mesma; o raciocínio

nada conta para isso. Não se é feliz por viagem, riqueza,

sucesso, prazer. É-se feliz porque se é feliz. A felicidade é o

sabor mesmo da vida. Como o morango tem gosto de morango,

assim a vida tem gosto de felicidade. O sol é bom; a chuva é boa;

todo ruído é música. Ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar não é

mais do que uma sucessão de felicidades. Mesmo os pesares,

mesmo as dores, mesmo o cansaço, tudo isso tem um sabor

de vida. Existir é bom; não melhor do que outra coisa; pois

existir é tudo, e não existir não é nada. Agir é uma alegria.

Perceber é uma alegria também. Não somos condenados

a viver; vivemos avidamente. Queremos ver, tocar, julgar;

queremos descobrir o mundo. Viver é querer viver.

Qualquer vida é um canto de regozijo.



( André Comte-Sponville - Do livro: Bom dia, angústia! )