HERA E ZEUS

JOHN DELVILLE

segunda-feira, 31 de março de 2008

JOSÉ EMÍLIO PACHECO

Letras, incisões na arena, na transpiração.

Signos que desaparecerão na água ou no vento.

Símbolos estupidamente aferrados à hora,

Que se cumpre dentro de mim, ao silêncio.

Para que fender esta remota solidão das coisas?

Por que enchê-las de súplicas, de traços, de invocações?

Porque é um modo de reduzir o espaço, a origem;

De iluminar, mediante o pobre protesto,

A vida sombra que se filtra sobre o instante.

Porque assim as muralhas desse cárcere,

Que eu mesmo erigi, não prevalecerão

Contra meu nada.


(José Emílio Pacheco - poeta mexicano)

OBJETIVO DA ARTE

O Objetivo da Arte não é ser Moral nem Imoral.

A arte não tem, para o artista, fim social. Tem, sim, um destino social,

mas o artista nunca sabe qual ele é, porque a Natureza o oculta

no labirinto dos seus desígnios. Eu explico melhor.

O artista deve escrever, pintar, esculpir, sem olhar a outra coisa

que ao que escreve, pinta, ou esculpe. Deve escrever sem olhar para

fora de si. Por isso a arte, não deve ser, propositadamente, moral

nem imoral. É tão vergonhoso fazer arte moral como fazer arte imoral.

Ambas as [coisas] implicam que o artista desceu a preocupar-se com

a gente de lá fora. Tão inferior é, neste ponto, um sermonário católico

como um triste Wilde ou d'Annunzio, sempre com a preocupação de irritar

a platéia. Irritar é um modo de agradar.

Todas as criaturas que gostam de mulheres sabem isso, e eu também sei.






FERNANDO PESSOA

SABEDORIA ORIENTAL

Um homem visitou um místico famoso, porque queria saber

como se livrar de suas crenças e preconceitos. Em vez de

lhe responder, o místico andou em direção à uma pilastra e a

abraçou, enquanto gritava:

- Socorro, salve-me desta pilastra! Ela está me prendendo!

Salve-me desta pilastra!

O homem que fizera a pergunta, pensou que o místico era

maluco. A gritaria atraiu um monte de gente. Sem conseguir

acreditar no que via, o homem perguntou:

- Por que está fazendo isso? Eu vim para lhe fazer uma

pergunta importante. Pensei que fosse sábio, mas acho que

é louco. O senhor está segurando a pilastra e pode soltá-la na

hora que quiser. Ela não o está prendendo.

O místico largou a pilastra e disse:

- Então já tem a resposta à sua pergunta.

Não são suas crenças e preconceitos que te seguram.

Você os agarra firmemente e não os solta. Para se livrar deles,

basta largá-los na hora que quiser.


(SABEDORIA ORIENTAL)

MARGARET MEAD

A delicadeza é sempre uma inimiga da arte. Quem

se preocupa com o que pensam os vizinhos, os

críticos e os censores, não criará jamais um trabalho

que desafie as restrições do consciente e mergulhe

no mundo dos sonhos. A arte verdadeira deve ser

produto de uma criatividade desembaraçada.

Somente liberto das inibições, o artista pode sondar

as profundezas do inconsciente e sentir-se livre para

expressar o "universal" presente em todos os seres

humanos.



(MARGARET MEAD)

MARIO VARGAS LLOSA

Inventar e contar histórias é coisa tão antiga como falar,

uma atividade que deve ter nascido e crescido com a

linguagem (...) Os contos e as histórias foram anteriores às

religiões e também seus rudimentos, as sementes que a

imaginação, o medo e o sonhos da imortalidade desenvolveriam

depois em mitos, teologias, sistemas filosóficos e

arquiteturas intelectuais fabulosas. Assim, junto à vida

verddeira, a do suor, da fome, da rotina, da doença, outra

vida surgiu, feita de palavras e fantasias. Vida que se escutava

ao redor das fogueiras e permanecia na memória, como

um vinho que se podia beber pouco a pouco a fim de

reviver aquela embriaguez que tirava o ser humano do

mundo real e o levava a outro, feito de oásis e aventuras

sem fim, um mundo onde todos os sonhos podiam ser

realizados e no qual homens e mulheres viviam muitas

vidas e vivenciavam a morte.


MARIO VARGAS LLOSA

RUBEM ALVES

As flores não têm porquês; florescem porque florescem.

Pensei que seria bom se também nós fôssemos como as plantas,

que nossas ações fossem um puro transbordar de vitalidade,

uma pura explosão de beleza que cresceu por dentro e não mais

pode ser guardada. Sem razões, por puro prazer. Mas as coisas

do mundo me dizem que não vivo no Paraíso, que não tenho o

direito de viver pelo prazer. Há deveres que me esperam, embora

eles me levem para bem longe da minha felicidade.

Pois dever é isto: aquela voz que me obriga a fazer o que não quero.

Sò podemos ser felizes quando formos como os ipês;

quando florescermos porque florescemos; quando ninguém

ordenar o que fazer, e o que fazemos é aquilo que a alma pede.

Uma pessoa boa, responsável, não é justamente esta que se

esquece dos seus desejos e obedece os desejos dos outros?


RUBEM ALVES

ANTONIN ARTAUD

Fazer surrealismo não é levar o surreal para o real,

onde ele vai criar bolor e dormir, amontoar-se e depositar-se

nas vidraças bem ajustadas dos livros, mas elevar

materialmente o real até esse ponto em que a alma deve brotar

dentro do corpo e não parar de amotinar o corpo.

— É aquilo que o mundo ainda não conheceu e o surrealismo

não pôde fazer, porque a alma do homem atual é prisioneira de

um mau corpo que lhe proíbe toda a poesia e a força a viver

sob o irremissível pelourinho das leis, sejam de exército,

de policia, de igreja, de justiça ou de administração.

E são principalmente a igreja.



ANTONIN ARTAUD

sábado, 15 de março de 2008

JEAN BAUDRILLARD

Só chega ao fim aquilo que tem destino certo, já que uma vez

chegando-se a ele resta apenas desaparecer. A espécie

humana só sobreviveu porque não tinha destino final.

Aqueles que quiseram lhe dar um destino geralmente

precipitaram-se para a destruição. E talvez seja por reflexo

de sobrevivência que grupos e indivíduos abandonam

pouco a pouco todo destino preciso, abandonam o sentido,

a razão e as Luzes a fim de conservar apenas a intuição

selvagem de uma situação imprecisa.

JEAN BAUDRILLARD

BALTASAR GRACIÁN

O desejo é a medida da estima. Jamais se deve

contentá-lo por completo. O bom é duplamente

bom quando há pouco. O gozo pleno demais é

perigoso, pois é a causa pela qual se despreza

a mais alta perfeição. A única regra do prazer é

encontrar o apetite que se deixou esfomeado.

É preciso provocá-lo pela impaciência: o que

custa sofrimento contenta duplamente.




(BALTASAR GRACÍAN)

SCHOPENHAUER

Refletir ponderadamente sobre alguma coisa antes de realizá-la;

porém, uma vez realizada, e sendo previsíveis os seus resultados,

não se angustiar com reflexões contínuas a respeito dos seus

possíveis perigos. Em vez disso, libertar-se completamente do

assunto, manter fechada a gaveta que o contém, tranquilizando-se

com a certeza de que tudo foi devidamente analisado a seu tempo.

Se, ainda assim, o resultado é negativo, é porque todas as coisas

estão submetidas ao acaso e ao equívoco.



Arthur Schopenhauer

ANDRÉ GIDE

Camarada, não aceites a vida tal qual a propõem os homens.

Não cesses de te persuadir que ela poderia ser mais bela,

a vida; a tua e a dos outros homens; não uma outra, futura,

que nos consolasse desta e nos ajudasse a aceitar sua

miséria. Não aceites. Quando começares a compreender que o

responsável por todos os males da vida não é Deus, que os

responsáveis são os homens, não te conformarás

mais com esses males.



André Gide

NIETZSCHE

Nos anos da juventude venera-se ou despreza-se e paga-se,

com justiça, muito caro o ter assaltado deste modo as coisas e

as pessoas com sim e não...

até que o homem aprenda a pôr um pouco de arte nos seus

sentimentos e prefira ousar fazer uma tentativa com o artificial:

tal como o fazem os verdadeiros artistas da vida: a juventude,

já de si, é algo que engana e falseia.

Mais tarde, quando a alma jovem, martirizada por mil desilusões,

se volta por fim, desconfiada, contra si mesma, ardente e selvagem

ainda, mesmo nas suas suspeitas e remorsos: como se encoleriza

consigo mesmo, como se dilacera com impaciência, como se

vinga da sua longa cegueira, como se ela tivesse sido voluntária!



NIETZSCHE

LYA LUFT

“Eu quis escrever livros desde que me lembro de mim.
Antes de aprender a ler, quando me contavam história
- e em minha casa contavam-se muitas -, achei que aquele
deveria de ser o melhor dos brinquedos.
Era o jogo que eu queria jogar quando fosse adulta:
inventar gente (na minha invenção eram todos minúsculos,
eu é que mandaria neles) e brincar com palavras,
sua música vibrando em meu pensamento ou pronunciadas
em voz alta quando achava que ninguém podia ouvir.

- Está de novo falando sozinha, filha?
- Não, mãe, eu estava só cantando.”

(Lya Luft – in “Mar de Dentro”)