A reputação é a essência do poder. Protegê-la é
fundamental. Torne-a inexpugnável.
Preferimos julgar as pessoas que nos cercam pela
aparência. É mais cômodo. E na esfera social todos
julgam desta forma. Esta é a razão para que criemos
nossa reputação e mantê-la nos protegerá do perigoso
jogo das aparências. A reputação tem um poder
mágico: ela pode dobrar sua força.
Quando você não se preocupa com a forma como
as pessoas o vêem, está deixando que os outros
decidam isso por você. Seja dono do seu próprio
destino e também da sua reputação.
BALTASAR GRACIÁN
quinta-feira, 17 de julho de 2008
FERNANDO PESSOA
Todos os movimentos da sensibilidade, por
agradáveis que sejam, são sempre interrupções
de um estado. Não só as grandes preocupações,
que nos distraem de nós, mas até as pequenas
alegrias, perturbam uma quietação a que todos,
sem saber, aspiramos.
Vivemos quase sempre fora de nós, e a mesma
vida é uma perpétua dispersão. Porém, é para
nós que tendemos, como um centro em torno do
qual fazemos, como os planetas, eclipses absurdas
e distantes.
(FERNANDO PESSOA)
agradáveis que sejam, são sempre interrupções
de um estado. Não só as grandes preocupações,
que nos distraem de nós, mas até as pequenas
alegrias, perturbam uma quietação a que todos,
sem saber, aspiramos.
Vivemos quase sempre fora de nós, e a mesma
vida é uma perpétua dispersão. Porém, é para
nós que tendemos, como um centro em torno do
qual fazemos, como os planetas, eclipses absurdas
e distantes.
(FERNANDO PESSOA)
FERNANDO PESSOA
Tornamo-nos esfinges, ainda que falsas, até
chegarmos ao ponto de já não sabermos quem
somos. O único modo de estarmos de acordo com
a vida é estarmos em desacordo com nós próprios.
O absurdo é divino.
Estabelecer teorias, pensando-as paciente e
honestamente, só para depois agirmos contra elas -
agirmos e justificarmos as nossas ações com
teorias que as condenam... Ter todos os gestos
e todas as atitudes de qualquer coisa que não
somos, nem pretendemos ser, nem pretendemos
ser tomados como sendo.
(Livro do Desassossego - F.Pessoa)
chegarmos ao ponto de já não sabermos quem
somos. O único modo de estarmos de acordo com
a vida é estarmos em desacordo com nós próprios.
O absurdo é divino.
Estabelecer teorias, pensando-as paciente e
honestamente, só para depois agirmos contra elas -
agirmos e justificarmos as nossas ações com
teorias que as condenam... Ter todos os gestos
e todas as atitudes de qualquer coisa que não
somos, nem pretendemos ser, nem pretendemos
ser tomados como sendo.
(Livro do Desassossego - F.Pessoa)
RIMBAUD
O poeta se torna vidente por meio de uma longa, imensa e
refletida desordem de todos os sentidos. Todas as formas de
amor, de sofrimento, de loucura, ele procura por si mesmo,
extrai de si mesmo todos os venenos, para guardar deles
apenas a quinta-essência (...) Pois ele consegue atingir o
desconhecido. Porque ele cultivou sua alma, já rica, mais
do que qualquer outro! Que morra nesse seu ímpeto pelas
coisas extraordinárias e incomunicáveis: outros virão, eles
começarão pelos horizontes onde o poeta se aniquilou!
O poeta é, pois, verdadeiramente, um ladrão de fogo.
ARTHUR RIMBAUD
refletida desordem de todos os sentidos. Todas as formas de
amor, de sofrimento, de loucura, ele procura por si mesmo,
extrai de si mesmo todos os venenos, para guardar deles
apenas a quinta-essência (...) Pois ele consegue atingir o
desconhecido. Porque ele cultivou sua alma, já rica, mais
do que qualquer outro! Que morra nesse seu ímpeto pelas
coisas extraordinárias e incomunicáveis: outros virão, eles
começarão pelos horizontes onde o poeta se aniquilou!
O poeta é, pois, verdadeiramente, um ladrão de fogo.
ARTHUR RIMBAUD
ALDOUS HUXLEY
Deus existe, mas ao mesmo tempo Deus não existe.
O Universo é governado pelo acaso irracional e ao
mesmo tempo por uma providência com preocupações
éticas . O sofrimento é gratuito e sem sentido, mas
também valioso e necessário. O Universo é um sádico
imbecil, mas também, simultaneamente, o mais
benevolente dos pais. Tudo é rigidamente
predeterminado, porém o arbítrio é perfeitamente
livre. O que é certo é que não há fuga da angústia e
da razão.
(ALDOUS HUXLEY)
O Universo é governado pelo acaso irracional e ao
mesmo tempo por uma providência com preocupações
éticas . O sofrimento é gratuito e sem sentido, mas
também valioso e necessário. O Universo é um sádico
imbecil, mas também, simultaneamente, o mais
benevolente dos pais. Tudo é rigidamente
predeterminado, porém o arbítrio é perfeitamente
livre. O que é certo é que não há fuga da angústia e
da razão.
(ALDOUS HUXLEY)
O NOVO E O VELHO
Em nossa cultura predomina a crença de que o novo é sempre superior ao
velho. Disso se segue que o filho se acha superior ao pai, que juventude é
melhor que experiência. Que a tradição é somente o peso morto do passado.
Existem culturas, como a oriental por exemplo, onde prevalecem outros
valores,
onde o passado e a tradição são reverenciados. Nessas culturas, onde a
experiência é reconhecida e aproveitada, o desenvolvimento é mais rápido,
porque
as novas gerações prosseguem do ponto em que pararam as anteriores.
Em culturas como a nossa, o progresso obtido pára no meio do caminho,
porque
os jovens querem começar do zero. Em consequência, o caminho nunca se
completa e os valores se dissolvem, as referências são abandonadas e o
que se observa é algo próximo o caos.
YEDRA
velho. Disso se segue que o filho se acha superior ao pai, que juventude é
melhor que experiência. Que a tradição é somente o peso morto do passado.
Existem culturas, como a oriental por exemplo, onde prevalecem outros
valores,
onde o passado e a tradição são reverenciados. Nessas culturas, onde a
experiência é reconhecida e aproveitada, o desenvolvimento é mais rápido,
porque
as novas gerações prosseguem do ponto em que pararam as anteriores.
Em culturas como a nossa, o progresso obtido pára no meio do caminho,
porque
os jovens querem começar do zero. Em consequência, o caminho nunca se
completa e os valores se dissolvem, as referências são abandonadas e o
que se observa é algo próximo o caos.
YEDRA
FERNANDO PESSOA
A vida que se vive é um desentendimento fluido, uma média alegre
entre a grandeza que não há e a felicidade que não pode haver.
Somos contentes porque até ao pensar e ao sentir, somos capazes
de não acreditar na existência da alma. No baile de máscaras que
vivemos, basta-nos o agrado do traje, que no baile é tudo. Somos
servos das luzes e das cores, vamos na dança como na verdade,
nem há para nós – salvo se, desertos, não dançamos – conhecimento
do grande frio do alto da noite externa, do corpo mortal por baixo
dos trapos que lhe sobrevivem, de tudo quanto, a sós, julgamos que
é essencialmente nós, mas afinal não é senão a paródia íntima da
verdade do que nos supomos. Se alguma coisa há que esta vida tem
para nós, e, salvo a mesma vida, tenhamos que agradecer aos Deuses,
é o dom de nos desconhecermos: de nos desconhercermos a nós
mesmos e de nos desconhecermos uns aos outros. A alma humana é
um abismo obscuro e viscoso, um poço que se não usa na superfície do
mundo. Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se conhecesse, e
assim, não havendo a vaidade, que é o sangue da vida espiritual,
morreríamos na alma de anemia. Ninguém conhece outro, e ainda
bem que o não conhece, e, se o conhecesse, conheceria nele, ainda
que mãe, mulher ou filho, o íntimo, metafísico inimigo.
FERNANDO PESSOA
entre a grandeza que não há e a felicidade que não pode haver.
Somos contentes porque até ao pensar e ao sentir, somos capazes
de não acreditar na existência da alma. No baile de máscaras que
vivemos, basta-nos o agrado do traje, que no baile é tudo. Somos
servos das luzes e das cores, vamos na dança como na verdade,
nem há para nós – salvo se, desertos, não dançamos – conhecimento
do grande frio do alto da noite externa, do corpo mortal por baixo
dos trapos que lhe sobrevivem, de tudo quanto, a sós, julgamos que
é essencialmente nós, mas afinal não é senão a paródia íntima da
verdade do que nos supomos. Se alguma coisa há que esta vida tem
para nós, e, salvo a mesma vida, tenhamos que agradecer aos Deuses,
é o dom de nos desconhecermos: de nos desconhercermos a nós
mesmos e de nos desconhecermos uns aos outros. A alma humana é
um abismo obscuro e viscoso, um poço que se não usa na superfície do
mundo. Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se conhecesse, e
assim, não havendo a vaidade, que é o sangue da vida espiritual,
morreríamos na alma de anemia. Ninguém conhece outro, e ainda
bem que o não conhece, e, se o conhecesse, conheceria nele, ainda
que mãe, mulher ou filho, o íntimo, metafísico inimigo.
FERNANDO PESSOA
MARCEL PROUST
Somente pela arte podemos sair de nós mesmos,
saber o que enxerga
outra pessoa desse universo que não é igual ao nosso,
e cujas paisagens permaneceriam tão ignoradas de nós
como as por acaso existentes na lua.
Graças à arte, em vez de ver um mundo, o nosso, nós o vemos
multiplicar-se,
e dispomos de tantos mundos quantos forem os artistas originais,
mais diferentes
uns dos outros do que aqueles que rolam pelo Infinito e que,
muitos séculos depois
de se haver extinto o núcleo de onde provêm, chame-se este
Rembrandt ou Vermeer, ainda nos enviam seus raios especiais.
Marcel Proust - Em busca do Tempo Perdido
saber o que enxerga
outra pessoa desse universo que não é igual ao nosso,
e cujas paisagens permaneceriam tão ignoradas de nós
como as por acaso existentes na lua.
Graças à arte, em vez de ver um mundo, o nosso, nós o vemos
multiplicar-se,
e dispomos de tantos mundos quantos forem os artistas originais,
mais diferentes
uns dos outros do que aqueles que rolam pelo Infinito e que,
muitos séculos depois
de se haver extinto o núcleo de onde provêm, chame-se este
Rembrandt ou Vermeer, ainda nos enviam seus raios especiais.
Marcel Proust - Em busca do Tempo Perdido
sexta-feira, 4 de julho de 2008
ERICH FROMM
A atividade produtiva denota o estado de atividade
íntima; não tem necessariamente conexão com a
criação de alguma coisa "útil". A produtividade é
uma tendência de caráter de que todos nós somos
capazes, na medida em que não sejamos
emocionalmente inválidos. As pessoas produtivas
dão alma a tudo o que tocam. Dão nascimento a
sua próprias faculdades e dão vida a outras
pessoas e as coisas. Atividade no sentido de mero
atarefamento, é movimento alienado, é na verdade,
passividade.
ERICH FROMM
íntima; não tem necessariamente conexão com a
criação de alguma coisa "útil". A produtividade é
uma tendência de caráter de que todos nós somos
capazes, na medida em que não sejamos
emocionalmente inválidos. As pessoas produtivas
dão alma a tudo o que tocam. Dão nascimento a
sua próprias faculdades e dão vida a outras
pessoas e as coisas. Atividade no sentido de mero
atarefamento, é movimento alienado, é na verdade,
passividade.
ERICH FROMM
VARGAS LLOSA
As grandes obras artísticas produzem um desassossego
exaltado e uma espécie de perplexidade feliz.
Em todos os ramos da criação artística, a
genialidade é uma anomalia inexplicável para as
armas da inteligência e da razão, mas na poesia é
ainda mais, um dom estranho, quase inumano,
para o qual parece inevitável recorrer a esses
horríveis adjetivos tão maltratados: milagroso,
transcendente, divino.
VARGAS LLOSA
exaltado e uma espécie de perplexidade feliz.
Em todos os ramos da criação artística, a
genialidade é uma anomalia inexplicável para as
armas da inteligência e da razão, mas na poesia é
ainda mais, um dom estranho, quase inumano,
para o qual parece inevitável recorrer a esses
horríveis adjetivos tão maltratados: milagroso,
transcendente, divino.
VARGAS LLOSA
TOCQUEVILLE
Os homens são, em geral, nem muito bons, nem muito
maus; são medíocres. Há duas pessoas em cada homem,
e se é infantil ver apenas uma, é totalmente triste e injusto
ver apenas a outra.
O homem com seus vícios, suas fraquezas, suas virtudes,
sua confusa mistura de bem e de mal, de baixezas e
elevações, de honestidade e depravação, é ainda, no
todo, o mais digno objeto de investigação, de interesse,
de compaixão, de afeição e de admiração, que se pode
encontrar na Terra.
Como não temos anjos, não podemos apegar-nos a
coisa alguma que seja mais nobre e mais digna de
devoção do que nosso próximo.
ALEXIS DE TOCQUEVILLE
maus; são medíocres. Há duas pessoas em cada homem,
e se é infantil ver apenas uma, é totalmente triste e injusto
ver apenas a outra.
O homem com seus vícios, suas fraquezas, suas virtudes,
sua confusa mistura de bem e de mal, de baixezas e
elevações, de honestidade e depravação, é ainda, no
todo, o mais digno objeto de investigação, de interesse,
de compaixão, de afeição e de admiração, que se pode
encontrar na Terra.
Como não temos anjos, não podemos apegar-nos a
coisa alguma que seja mais nobre e mais digna de
devoção do que nosso próximo.
ALEXIS DE TOCQUEVILLE
BERTRAND RUSSELL
No ato, no desejo, temos de nos submeter constantemente
à tirania das forças externas; mas em pensamento, em
aspiração, somos livres; livres do próximo, livres do
planeta mesquinho em que nosso corpo se arrasta
impotente, livres mesmo, enquanto vivemos, da tirania
da morte. O homem ainda é livre, durante sua breve
existência, de examinar, criticar, saber e, na imaginação,
criar. No mundo que conhece, só ele toca essa liberdade;
e nisto reside sua superioridade sobre as forças
irresistíveis que lhe controlam a vida exterior.
BERTRAND RUSSELL
à tirania das forças externas; mas em pensamento, em
aspiração, somos livres; livres do próximo, livres do
planeta mesquinho em que nosso corpo se arrasta
impotente, livres mesmo, enquanto vivemos, da tirania
da morte. O homem ainda é livre, durante sua breve
existência, de examinar, criticar, saber e, na imaginação,
criar. No mundo que conhece, só ele toca essa liberdade;
e nisto reside sua superioridade sobre as forças
irresistíveis que lhe controlam a vida exterior.
BERTRAND RUSSELL
COMTE-SPONVILLE
Filosofar é pensar mais longe do que aquilo que se sabe
e do aquilo que se pode saber.
O que é a filosofia? É uma prática teórica (discursiva, razoável,
conceitual),
mas não científica; ela se submete unicamente à razão e à experiência
— com exclusão de toda revelação de origem transcendente ou
sobrenatural e visa menos a conhecer do que a pensar ou questionar,
menos a aumentar nosso saber do que a refletir sobre aquilo que
sabemos ou ignoramos. Seus objetos de predileção são o Todo
e o homem. Seu alvo, que pode variar segundo as épocas e os
indivíduos, será com mais freqüência a felicidade, a liberdade ou a
verdade, e mesmo a conjunção das três (a sabedoria).
( André Comte-Sponville )
e do aquilo que se pode saber.
O que é a filosofia? É uma prática teórica (discursiva, razoável,
conceitual),
mas não científica; ela se submete unicamente à razão e à experiência
— com exclusão de toda revelação de origem transcendente ou
sobrenatural e visa menos a conhecer do que a pensar ou questionar,
menos a aumentar nosso saber do que a refletir sobre aquilo que
sabemos ou ignoramos. Seus objetos de predileção são o Todo
e o homem. Seu alvo, que pode variar segundo as épocas e os
indivíduos, será com mais freqüência a felicidade, a liberdade ou a
verdade, e mesmo a conjunção das três (a sabedoria).
( André Comte-Sponville )
VARGAS LLOSA
Quando fechamos os olhos e pensamos nos Andes a distância,
a primeira imagem que costuma aflorar á mente é a de uma
paisagem desumanizada, de cordilheirs de picos eretos e
nevados, abismos vertiginosos e vastas solidões ns quais
às vezes plana um solitário condor. Contudo, o que confere
mais dramatismo é a potência esmagadora da paisagem
em contraste com a fragilidade do homem; este invisível
povoador da minúscula aldeia que, ao pé da cordilheira
gigantesca, habita em vivendas quase invisíveis, semelhantes
a flocos de neve caídos do alto. O contraste tem um grande
efeito de plasticidade; e é, também, a demonstração evidente
do indômito espírito que fez com que esse povo fincasse
raízes nos Andes. Viver em certas regiões andinas, apesar
dos avanços da modernidade, continua sendo um combate
cotidiano.
MARIO VARGAS LLOSA
a primeira imagem que costuma aflorar á mente é a de uma
paisagem desumanizada, de cordilheirs de picos eretos e
nevados, abismos vertiginosos e vastas solidões ns quais
às vezes plana um solitário condor. Contudo, o que confere
mais dramatismo é a potência esmagadora da paisagem
em contraste com a fragilidade do homem; este invisível
povoador da minúscula aldeia que, ao pé da cordilheira
gigantesca, habita em vivendas quase invisíveis, semelhantes
a flocos de neve caídos do alto. O contraste tem um grande
efeito de plasticidade; e é, também, a demonstração evidente
do indômito espírito que fez com que esse povo fincasse
raízes nos Andes. Viver em certas regiões andinas, apesar
dos avanços da modernidade, continua sendo um combate
cotidiano.
MARIO VARGAS LLOSA
FERNANDO PESSOA
O meu sentido interior predomina de tal modo sobre os meus cinco
sentidos que vejo coisas nesta vida - acredito-o - de uma forma
diferente de outros homens. Há para mim - houve - toda uma riqueza
de significações em coisas tão ridículas como a chave de uma porta,
um prego na parede, os bigodes de um gato. Há para mim toda a
plenitude de sugestões espirituais numa galinha que atravessa a
rua com os seus pintinhos. Há para mim todo um significado mais
profundo do que os próprios receios humanos no cheiro do Sândalo,
em latas velhas, num monte de lixo, numa caixa de fósforos
deixada numa valeta, em dois papéis sujos que num dia de vento
esvoaçavam e se perseguem pela rua abaixo.
FERNANDO PESSOA
sentidos que vejo coisas nesta vida - acredito-o - de uma forma
diferente de outros homens. Há para mim - houve - toda uma riqueza
de significações em coisas tão ridículas como a chave de uma porta,
um prego na parede, os bigodes de um gato. Há para mim toda a
plenitude de sugestões espirituais numa galinha que atravessa a
rua com os seus pintinhos. Há para mim todo um significado mais
profundo do que os próprios receios humanos no cheiro do Sândalo,
em latas velhas, num monte de lixo, numa caixa de fósforos
deixada numa valeta, em dois papéis sujos que num dia de vento
esvoaçavam e se perseguem pela rua abaixo.
FERNANDO PESSOA
JEAN BAUDRILLARD
A falta de afeto, a neurose, a angústia e a frustração tratadas
pela psicanálise surgem sem dúvida da incapacidade de amar
ou de ser amado, da incapacidade de dar e de aceitar o prazer,
mas o desencanto radical tem origem no fracasso da sedução.
Só aqueles que se mantêm totalmente arredios à sedução adoecem,
ainda que permaneçam em plena capacidade de amar e fazer amor
A psicanálise acredita tratar do distúrbio do sexo e desejo, mas na
realidade está lidando com distúrbios da sedução. As deficiências
mais graves sempre estão relacionadas com o encanto e não com
o prazer, com o encantamento e não com uma satisfação
vital ou sexual.
JEAN BAUDRILLARD
pela psicanálise surgem sem dúvida da incapacidade de amar
ou de ser amado, da incapacidade de dar e de aceitar o prazer,
mas o desencanto radical tem origem no fracasso da sedução.
Só aqueles que se mantêm totalmente arredios à sedução adoecem,
ainda que permaneçam em plena capacidade de amar e fazer amor
A psicanálise acredita tratar do distúrbio do sexo e desejo, mas na
realidade está lidando com distúrbios da sedução. As deficiências
mais graves sempre estão relacionadas com o encanto e não com
o prazer, com o encantamento e não com uma satisfação
vital ou sexual.
JEAN BAUDRILLARD
CLARICE LISPECTOR
Pois no Rio tinha um lugar com uma lareira. E quando
ela percebeu que, além do frio, chovia nas árvores, não
pôde acreditar que tanto lhe fosse dado.
O acordo do mundo com aquilo que ela nem sequer
sabia que precisava como uma fome. Chovia, chovia.
O fogo aceso pisca para ela e para o homem.
Ele, o homem, se ocupa do que el nem sequer lhe
agradece; ele atiça o fogo na lareira, o que não lhe
é senão dever de nascimento.
E ela - que é sempre inquieta, fazedora de coisas e
experimentadora de curiosidades - pois ela nem se
lembra sequer de atiçar o fogo: não é seu papel, pois
se tem o seu homem para isso.
Não sendo donzela, que o homem então cumpra a
sua missão. O mais que ela faz é às vezes instigá-lo:
" aquela acha", diz-lhe, "aquela ainda não pegou".
E ele, um instante antes que ela acabe a frase que o
esclareceria, ele por ele mesmo já notara a acha,
homem seu que é, e já está atiçando a acha. Não a
comando seu, que é a mulher de um homem e que
perderia seu estado se lhe desse ordem.
Ela sabe, e não a toma. Quer a não dele, sabe que
quer, e não a toma. Tem exatamente o que precisa:
pode ter.
Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo
não pode durar. Não, ela não está se referindo ao
fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca
dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais
voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-
lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja.
Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a
mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela
doce, arde, arde, flameja...
CLARICE LISPECTOR
ela percebeu que, além do frio, chovia nas árvores, não
pôde acreditar que tanto lhe fosse dado.
O acordo do mundo com aquilo que ela nem sequer
sabia que precisava como uma fome. Chovia, chovia.
O fogo aceso pisca para ela e para o homem.
Ele, o homem, se ocupa do que el nem sequer lhe
agradece; ele atiça o fogo na lareira, o que não lhe
é senão dever de nascimento.
E ela - que é sempre inquieta, fazedora de coisas e
experimentadora de curiosidades - pois ela nem se
lembra sequer de atiçar o fogo: não é seu papel, pois
se tem o seu homem para isso.
Não sendo donzela, que o homem então cumpra a
sua missão. O mais que ela faz é às vezes instigá-lo:
" aquela acha", diz-lhe, "aquela ainda não pegou".
E ele, um instante antes que ela acabe a frase que o
esclareceria, ele por ele mesmo já notara a acha,
homem seu que é, e já está atiçando a acha. Não a
comando seu, que é a mulher de um homem e que
perderia seu estado se lhe desse ordem.
Ela sabe, e não a toma. Quer a não dele, sabe que
quer, e não a toma. Tem exatamente o que precisa:
pode ter.
Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo
não pode durar. Não, ela não está se referindo ao
fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca
dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais
voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-
lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja.
Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a
mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela
doce, arde, arde, flameja...
CLARICE LISPECTOR
FERNANDO PESSOA
Cada homem, desde que sai da nebulose da infância e da adolescência,
é em grande parte um produto do seu conceito de si mesmo.
Pode dizer-se sem exagero mais que verbal, que temos duas espécies
de pais: os nossos pais, propriamente ditos, a quem devemos o ser
físico e a base hereditária do nosso temperamento; e, depois, o meio
em que vivemos, e o conceito que formamos de nós próprios - mãe
e pai, por assim dizer, do nosso ser mental definitivo.
Se um homem criar o hábito de se julgar inteligente, não obterá com
isso, é certo, um grau de inteligência que não tem; mas fará mais da
inteligência que tem do que se julgar estúpido. E isto, que se dá num
caso intelectual, mais marcadamente se dá num caso moral, pois a
plasticidade das nossas qualidades morais é muito mais acentuada que
a das faculdades da nossa mente.
Ora, ordinariamente, o que é verdade da psicologia individual -
abstraindo daqueles fenómenos que são exclusivamente individuais
- é também verdade da psicologia colectiva. Uma nação que
habitualmente pense mal de si mesma acabará por merecer o conceito
de si que anteformou. Envenena-se mentalmente.
Os fatos provam o que quer o raciocinador. Nem, propriamente,
existem factos, mas apenas impressões nossas, a que damos, por
conveniência, aquele nome. Mas haja ou não fatos, o que é certo é que
não existe ciência social - ou, pelo menos, não existe ainda. E como
assim é, tanto podemos crer que nos regenaremos, como crer o contrário.
Se temos, pois, a liberdade de escolha, porque não escolher a atitude
mental que nos é mais favorável em vez daquela que nos é menos?
FERNANDO PESSOA
é em grande parte um produto do seu conceito de si mesmo.
Pode dizer-se sem exagero mais que verbal, que temos duas espécies
de pais: os nossos pais, propriamente ditos, a quem devemos o ser
físico e a base hereditária do nosso temperamento; e, depois, o meio
em que vivemos, e o conceito que formamos de nós próprios - mãe
e pai, por assim dizer, do nosso ser mental definitivo.
Se um homem criar o hábito de se julgar inteligente, não obterá com
isso, é certo, um grau de inteligência que não tem; mas fará mais da
inteligência que tem do que se julgar estúpido. E isto, que se dá num
caso intelectual, mais marcadamente se dá num caso moral, pois a
plasticidade das nossas qualidades morais é muito mais acentuada que
a das faculdades da nossa mente.
Ora, ordinariamente, o que é verdade da psicologia individual -
abstraindo daqueles fenómenos que são exclusivamente individuais
- é também verdade da psicologia colectiva. Uma nação que
habitualmente pense mal de si mesma acabará por merecer o conceito
de si que anteformou. Envenena-se mentalmente.
Os fatos provam o que quer o raciocinador. Nem, propriamente,
existem factos, mas apenas impressões nossas, a que damos, por
conveniência, aquele nome. Mas haja ou não fatos, o que é certo é que
não existe ciência social - ou, pelo menos, não existe ainda. E como
assim é, tanto podemos crer que nos regenaremos, como crer o contrário.
Se temos, pois, a liberdade de escolha, porque não escolher a atitude
mental que nos é mais favorável em vez daquela que nos é menos?
FERNANDO PESSOA
HENRY MILLER
Em um sentido profundo adiamos a ação para sempre.
Paqueramos o destino e arrulhamo-nos com mitos para
nos adormecer. Morremos com os sofrimentos de nossas
próprias lendas trágicas como aranhas presas em suas teias.
Se há algo que merece ser chamado "obsceno" é esse
confronto fugaz e de relance com os mistérios, esse andar
até a borda do abismo, gozando de todos os êxtases da
vertigem, mas relutando em ceder ao feitiço do desconhecido.
O obsceno possui todas as propriedades da zona oculta.
É tão vasto quanto o próprio inconsciente, e tão amorfo e
fluído como a substância mesma do inconsciente. É o que
vem à tona como algo estranho, embriagado e proibido e que,
portanto, paralisa e seduz quando, tal como Narciso, observa
a nossa imagem diante do espelho da nossa própria
iniqüidade. É bem conhecido por todos e ao mesmo tempo
menosprezadoe rejeitado, razão pela qual aflora sem cessar
com máscaras proteiformes, nos momentos menos esperados.
Quando é reconhecido e aceito, quer como produto da
imaginação, quer como parte integrante da realidade humana,
inspira o mesmo horror e aversão que poderia produzir o
lótus florido que submerge suas raízes no rio que lhe
deu origem.
HENRY MILLER
Paqueramos o destino e arrulhamo-nos com mitos para
nos adormecer. Morremos com os sofrimentos de nossas
próprias lendas trágicas como aranhas presas em suas teias.
Se há algo que merece ser chamado "obsceno" é esse
confronto fugaz e de relance com os mistérios, esse andar
até a borda do abismo, gozando de todos os êxtases da
vertigem, mas relutando em ceder ao feitiço do desconhecido.
O obsceno possui todas as propriedades da zona oculta.
É tão vasto quanto o próprio inconsciente, e tão amorfo e
fluído como a substância mesma do inconsciente. É o que
vem à tona como algo estranho, embriagado e proibido e que,
portanto, paralisa e seduz quando, tal como Narciso, observa
a nossa imagem diante do espelho da nossa própria
iniqüidade. É bem conhecido por todos e ao mesmo tempo
menosprezadoe rejeitado, razão pela qual aflora sem cessar
com máscaras proteiformes, nos momentos menos esperados.
Quando é reconhecido e aceito, quer como produto da
imaginação, quer como parte integrante da realidade humana,
inspira o mesmo horror e aversão que poderia produzir o
lótus florido que submerge suas raízes no rio que lhe
deu origem.
HENRY MILLER
CLARICE LISPECTOR
Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez
que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela
aparece toda. É a visão de uma floresta, e na floresta
vejo a clareira verde, meio escura, rodeada de alturas,
e no meio desse bom escuro estão muitas borboletas,
um leão amarelo sentado, e eu sentada no chão
tricotando. As horas passam como muitos anos, e
os anos se passam realmente, as borboletas cheias
de grandes asas e o leão amarelo com manchas - mas
as manchas são apenas para que se veja que ele é
amarelo, pelas manchas se vê como ele seria se não
fosse amarelo. O bom dessa imagem é a penumbra, que
não exige mais do que a capacidade dos meus olhos
e não ultrapassa minha visão. E ali estou eu, com borboleta,
com leão. Minha clareira tem uns minérios, que são as
cores. Só existe uma ameaça: é saber com apreensão
que fora dali estou perdida, porque nem sequer será floresta
( a floresta eu conheço de antemão, por amor), será um
campo vazio ( e este eu conheço de antemão através
do medo) - tão vazio que tanto me fará ir para um lado
como para o outro (...) Para falar a verdade nunca estive
tão bem. Cada um de nós está em seu lugar, eu me
submeto bem ao meu lugar. Vou até repetir um pouco
mais porque está ficando cada vez melhor: o leão
amarelo e as borboletas caladas, eu sentada no chão
tricotando, e nós assim cheios de gosto pela clareira
verde. Nós somos contentes.
CLARICE LISPECTOR
que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela
aparece toda. É a visão de uma floresta, e na floresta
vejo a clareira verde, meio escura, rodeada de alturas,
e no meio desse bom escuro estão muitas borboletas,
um leão amarelo sentado, e eu sentada no chão
tricotando. As horas passam como muitos anos, e
os anos se passam realmente, as borboletas cheias
de grandes asas e o leão amarelo com manchas - mas
as manchas são apenas para que se veja que ele é
amarelo, pelas manchas se vê como ele seria se não
fosse amarelo. O bom dessa imagem é a penumbra, que
não exige mais do que a capacidade dos meus olhos
e não ultrapassa minha visão. E ali estou eu, com borboleta,
com leão. Minha clareira tem uns minérios, que são as
cores. Só existe uma ameaça: é saber com apreensão
que fora dali estou perdida, porque nem sequer será floresta
( a floresta eu conheço de antemão, por amor), será um
campo vazio ( e este eu conheço de antemão através
do medo) - tão vazio que tanto me fará ir para um lado
como para o outro (...) Para falar a verdade nunca estive
tão bem. Cada um de nós está em seu lugar, eu me
submeto bem ao meu lugar. Vou até repetir um pouco
mais porque está ficando cada vez melhor: o leão
amarelo e as borboletas caladas, eu sentada no chão
tricotando, e nós assim cheios de gosto pela clareira
verde. Nós somos contentes.
CLARICE LISPECTOR
GOETHE
Uma teoria em si e por si não é útil para nada. Ela só é
útil na medida em que nos faz crer na conexão dos
fenômenos. A experiência pode ser ampliada até o
infinito, uma teoria não. Por isso uma teoria muito
circunscrita não tem proveito para uma experiência
ampliada. O homem erra quando procura causa e
efeito ns fenômenos: os dois juntos fazem parte do
fenômeno indizível. Um grande erro que cometemos
é pensar a causa como estando sempre próxima
do efeito.
O que temos são sempre apenas os nossos olhos,
os nossos modos de representação. E quem se
habitua com uma representação falsa acaba por
considerar como bem-vindo qualquer erro. Porém,
nada se desenvolve a partir do erro, ele apenas nos
confunde.
(GOETHE)
útil na medida em que nos faz crer na conexão dos
fenômenos. A experiência pode ser ampliada até o
infinito, uma teoria não. Por isso uma teoria muito
circunscrita não tem proveito para uma experiência
ampliada. O homem erra quando procura causa e
efeito ns fenômenos: os dois juntos fazem parte do
fenômeno indizível. Um grande erro que cometemos
é pensar a causa como estando sempre próxima
do efeito.
O que temos são sempre apenas os nossos olhos,
os nossos modos de representação. E quem se
habitua com uma representação falsa acaba por
considerar como bem-vindo qualquer erro. Porém,
nada se desenvolve a partir do erro, ele apenas nos
confunde.
(GOETHE)
BALZAC
A acusação de imoralidade, que nunca faltou ao escritor corajoso,
é aliás a última que resta a fazer quando não se tem mais nada a
dizer a um poeta. Se fordes verdadeiro em vossas pinturas;
se, à força de trabalhos diurnos e noturnos, conseguirdes escrever
a língua mais difícil do mundo, atiram-se-vos a palavra imoral
ao rosto. Sócrates foi imoral, Jesus Cristo foi imoral; ambos foram
perseguidos em nome das sociedades que derrubavam ou
reformavam. Quando se quer matar alguém, acusam-no
de imoralidade.
Honoré de Balzac
é aliás a última que resta a fazer quando não se tem mais nada a
dizer a um poeta. Se fordes verdadeiro em vossas pinturas;
se, à força de trabalhos diurnos e noturnos, conseguirdes escrever
a língua mais difícil do mundo, atiram-se-vos a palavra imoral
ao rosto. Sócrates foi imoral, Jesus Cristo foi imoral; ambos foram
perseguidos em nome das sociedades que derrubavam ou
reformavam. Quando se quer matar alguém, acusam-no
de imoralidade.
Honoré de Balzac
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