Em um sentido profundo adiamos a ação para sempre.
Paqueramos o destino e arrulhamo-nos com mitos para
nos adormecer. Morremos com os sofrimentos de nossas
próprias lendas trágicas como aranhas presas em suas teias.
Se há algo que merece ser chamado "obsceno" é esse
confronto fugaz e de relance com os mistérios, esse andar
até a borda do abismo, gozando de todos os êxtases da
vertigem, mas relutando em ceder ao feitiço do desconhecido.
O obsceno possui todas as propriedades da zona oculta.
É tão vasto quanto o próprio inconsciente, e tão amorfo e
fluído como a substância mesma do inconsciente. É o que
vem à tona como algo estranho, embriagado e proibido e que,
portanto, paralisa e seduz quando, tal como Narciso, observa
a nossa imagem diante do espelho da nossa própria
iniqüidade. É bem conhecido por todos e ao mesmo tempo
menosprezadoe rejeitado, razão pela qual aflora sem cessar
com máscaras proteiformes, nos momentos menos esperados.
Quando é reconhecido e aceito, quer como produto da
imaginação, quer como parte integrante da realidade humana,
inspira o mesmo horror e aversão que poderia produzir o
lótus florido que submerge suas raízes no rio que lhe
deu origem.
HENRY MILLER
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