HERA E ZEUS

JOHN DELVILLE

sexta-feira, 4 de julho de 2008

CLARICE LISPECTOR

Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez

que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela

aparece toda. É a visão de uma floresta, e na floresta

vejo a clareira verde, meio escura, rodeada de alturas,

e no meio desse bom escuro estão muitas borboletas,

um leão amarelo sentado, e eu sentada no chão

tricotando. As horas passam como muitos anos, e

os anos se passam realmente, as borboletas cheias

de grandes asas e o leão amarelo com manchas - mas

as manchas são apenas para que se veja que ele é

amarelo, pelas manchas se vê como ele seria se não

fosse amarelo. O bom dessa imagem é a penumbra, que

não exige mais do que a capacidade dos meus olhos

e não ultrapassa minha visão. E ali estou eu, com borboleta,

com leão. Minha clareira tem uns minérios, que são as

cores. Só existe uma ameaça: é saber com apreensão

que fora dali estou perdida, porque nem sequer será floresta

( a floresta eu conheço de antemão, por amor), será um

campo vazio ( e este eu conheço de antemão através

do medo) - tão vazio que tanto me fará ir para um lado

como para o outro (...) Para falar a verdade nunca estive

tão bem. Cada um de nós está em seu lugar, eu me

submeto bem ao meu lugar. Vou até repetir um pouco

mais porque está ficando cada vez melhor: o leão

amarelo e as borboletas caladas, eu sentada no chão

tricotando, e nós assim cheios de gosto pela clareira

verde. Nós somos contentes.


CLARICE LISPECTOR

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