Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez
que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela
aparece toda. É a visão de uma floresta, e na floresta
vejo a clareira verde, meio escura, rodeada de alturas,
e no meio desse bom escuro estão muitas borboletas,
um leão amarelo sentado, e eu sentada no chão
tricotando. As horas passam como muitos anos, e
os anos se passam realmente, as borboletas cheias
de grandes asas e o leão amarelo com manchas - mas
as manchas são apenas para que se veja que ele é
amarelo, pelas manchas se vê como ele seria se não
fosse amarelo. O bom dessa imagem é a penumbra, que
não exige mais do que a capacidade dos meus olhos
e não ultrapassa minha visão. E ali estou eu, com borboleta,
com leão. Minha clareira tem uns minérios, que são as
cores. Só existe uma ameaça: é saber com apreensão
que fora dali estou perdida, porque nem sequer será floresta
( a floresta eu conheço de antemão, por amor), será um
campo vazio ( e este eu conheço de antemão através
do medo) - tão vazio que tanto me fará ir para um lado
como para o outro (...) Para falar a verdade nunca estive
tão bem. Cada um de nós está em seu lugar, eu me
submeto bem ao meu lugar. Vou até repetir um pouco
mais porque está ficando cada vez melhor: o leão
amarelo e as borboletas caladas, eu sentada no chão
tricotando, e nós assim cheios de gosto pela clareira
verde. Nós somos contentes.
CLARICE LISPECTOR
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