Cada homem, desde que sai da nebulose da infância e da adolescência,
é em grande parte um produto do seu conceito de si mesmo.
Pode dizer-se sem exagero mais que verbal, que temos duas espécies
de pais: os nossos pais, propriamente ditos, a quem devemos o ser
físico e a base hereditária do nosso temperamento; e, depois, o meio
em que vivemos, e o conceito que formamos de nós próprios - mãe
e pai, por assim dizer, do nosso ser mental definitivo.
Se um homem criar o hábito de se julgar inteligente, não obterá com
isso, é certo, um grau de inteligência que não tem; mas fará mais da
inteligência que tem do que se julgar estúpido. E isto, que se dá num
caso intelectual, mais marcadamente se dá num caso moral, pois a
plasticidade das nossas qualidades morais é muito mais acentuada que
a das faculdades da nossa mente.
Ora, ordinariamente, o que é verdade da psicologia individual -
abstraindo daqueles fenómenos que são exclusivamente individuais
- é também verdade da psicologia colectiva. Uma nação que
habitualmente pense mal de si mesma acabará por merecer o conceito
de si que anteformou. Envenena-se mentalmente.
Os fatos provam o que quer o raciocinador. Nem, propriamente,
existem factos, mas apenas impressões nossas, a que damos, por
conveniência, aquele nome. Mas haja ou não fatos, o que é certo é que
não existe ciência social - ou, pelo menos, não existe ainda. E como
assim é, tanto podemos crer que nos regenaremos, como crer o contrário.
Se temos, pois, a liberdade de escolha, porque não escolher a atitude
mental que nos é mais favorável em vez daquela que nos é menos?
FERNANDO PESSOA
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