O meu sentido interior predomina de tal modo sobre os meus cinco
sentidos que vejo coisas nesta vida - acredito-o - de uma forma
diferente de outros homens. Há para mim - houve - toda uma riqueza
de significações em coisas tão ridículas como a chave de uma porta,
um prego na parede, os bigodes de um gato. Há para mim toda a
plenitude de sugestões espirituais numa galinha que atravessa a
rua com os seus pintinhos. Há para mim todo um significado mais
profundo do que os próprios receios humanos no cheiro do Sândalo,
em latas velhas, num monte de lixo, numa caixa de fósforos
deixada numa valeta, em dois papéis sujos que num dia de vento
esvoaçavam e se perseguem pela rua abaixo.
FERNANDO PESSOA
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