Se eu fosse eu
"Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria melhor, sentir.
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavem a ser elas mesmas, e mudavam inteiramente de vida. Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.
Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu, e confiaria o futuro ao futuro.
"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova do desconhecido. No entanto tenho a intuição de que, passadas a primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais."
CLARICE LISPECTOR
sábado, 16 de agosto de 2008
EDGAR MORIN
Ser intelectual e fazer parte dos intelectuais são duas coisas
que simultaneamente se identificam e opõem. Há um
determinismo de coletividade; assim, os gafanhotos isolados
são insetos amáveis, cada um devotado aos seus pequenos
assuntos, tendo cada um o seu comportamento. Mas a partir
de uma certa densidade, de resto demasiado fraca, tornam-se
uma turba onde as individualidades desaparecem, perdem a
sua cor esverdeada em troca de um uniforme e padronizado
amarelo-acinzentado, adquirem um comportamento estereotipado
e transformam-se em impiedosos devoradores, destruindo tudo
o que for obstáculo ao seu ímpeto. Da mesma forma, os intelectuais
são, isoladamente, simpáticos indivíduos, cada um dedicado à
sua obra, mas a sua reunião em sociedade faz deles monstros.
Edgar Morin - Os Meus Demônios
que simultaneamente se identificam e opõem. Há um
determinismo de coletividade; assim, os gafanhotos isolados
são insetos amáveis, cada um devotado aos seus pequenos
assuntos, tendo cada um o seu comportamento. Mas a partir
de uma certa densidade, de resto demasiado fraca, tornam-se
uma turba onde as individualidades desaparecem, perdem a
sua cor esverdeada em troca de um uniforme e padronizado
amarelo-acinzentado, adquirem um comportamento estereotipado
e transformam-se em impiedosos devoradores, destruindo tudo
o que for obstáculo ao seu ímpeto. Da mesma forma, os intelectuais
são, isoladamente, simpáticos indivíduos, cada um dedicado à
sua obra, mas a sua reunião em sociedade faz deles monstros.
Edgar Morin - Os Meus Demônios
OSCAR WILDE
O artista é o criador de coisas belas.
Revelar a arte e ocultar o artista é a finalidade da arte.
O crítico é aquele que pode traduzir, de um modo diferente
por um novo processo, a sua impressão das coisas belas.
A mais elevada, como a mais baixa, das formas
de crítica é uma espécie de autobiografia.
Os que encontram significações feias em coisas belas
são corruptos sem serem encantadores.Isto é um defeito.
Os que encontram belas significações em coisas belas são cultos. Para estes, há esperança.
Existem os eleitos, para os quais as coisas belas significam unicamente beleza.
A vida moral do homem faz parte do tema para o artista,
mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio imperfeito.
O artista nada deseja provar. Até as coisas verdadeiras podem ser provadas.
Nem um artista tem simpatias éticas. A simpatia ética
num artista constitui um maneirismo de estilo imperdoável.
O artista jamais é mórbido. O artista tudo pode exprimir.
Pensamento e linguagem são para o artista instrumentos de uma arte.
Vício e virtude são para o artista materiais para uma arte.
Do ponto de vista da forma, o modelo de todas as artes é a do músico.
Do ponto de vista do sentimento, é a profissão do ator.
Toda arte é ao mesmo tempo superfície e símbolo.
Os que buscam sob a superfície, fazem-no por seu próprio risco.
Na realidade a arte reflete o expectador e não a vida.
A divergência de opiniões sobre uma obra
de arte indica que a obra é nova, complexa e vital.
Quando os críticos divergem, o artista está de acordo consigo mesmo.
Podemos perdoar a um homem por haver feito uma coisa útil, contanto
que não a admire.A única desculpa de haver feito
uma coisa inútil é admirá-la intensamente.
Toda arte é completamente inútil.
OSCAR WILDE
Revelar a arte e ocultar o artista é a finalidade da arte.
O crítico é aquele que pode traduzir, de um modo diferente
por um novo processo, a sua impressão das coisas belas.
A mais elevada, como a mais baixa, das formas
de crítica é uma espécie de autobiografia.
Os que encontram significações feias em coisas belas
são corruptos sem serem encantadores.Isto é um defeito.
Os que encontram belas significações em coisas belas são cultos. Para estes, há esperança.
Existem os eleitos, para os quais as coisas belas significam unicamente beleza.
A vida moral do homem faz parte do tema para o artista,
mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio imperfeito.
O artista nada deseja provar. Até as coisas verdadeiras podem ser provadas.
Nem um artista tem simpatias éticas. A simpatia ética
num artista constitui um maneirismo de estilo imperdoável.
O artista jamais é mórbido. O artista tudo pode exprimir.
Pensamento e linguagem são para o artista instrumentos de uma arte.
Vício e virtude são para o artista materiais para uma arte.
Do ponto de vista da forma, o modelo de todas as artes é a do músico.
Do ponto de vista do sentimento, é a profissão do ator.
Toda arte é ao mesmo tempo superfície e símbolo.
Os que buscam sob a superfície, fazem-no por seu próprio risco.
Na realidade a arte reflete o expectador e não a vida.
A divergência de opiniões sobre uma obra
de arte indica que a obra é nova, complexa e vital.
Quando os críticos divergem, o artista está de acordo consigo mesmo.
Podemos perdoar a um homem por haver feito uma coisa útil, contanto
que não a admire.A única desculpa de haver feito
uma coisa inútil é admirá-la intensamente.
Toda arte é completamente inútil.
OSCAR WILDE
quinta-feira, 17 de julho de 2008
BALTASAR GRACIÁN
A reputação é a essência do poder. Protegê-la é
fundamental. Torne-a inexpugnável.
Preferimos julgar as pessoas que nos cercam pela
aparência. É mais cômodo. E na esfera social todos
julgam desta forma. Esta é a razão para que criemos
nossa reputação e mantê-la nos protegerá do perigoso
jogo das aparências. A reputação tem um poder
mágico: ela pode dobrar sua força.
Quando você não se preocupa com a forma como
as pessoas o vêem, está deixando que os outros
decidam isso por você. Seja dono do seu próprio
destino e também da sua reputação.
BALTASAR GRACIÁN
fundamental. Torne-a inexpugnável.
Preferimos julgar as pessoas que nos cercam pela
aparência. É mais cômodo. E na esfera social todos
julgam desta forma. Esta é a razão para que criemos
nossa reputação e mantê-la nos protegerá do perigoso
jogo das aparências. A reputação tem um poder
mágico: ela pode dobrar sua força.
Quando você não se preocupa com a forma como
as pessoas o vêem, está deixando que os outros
decidam isso por você. Seja dono do seu próprio
destino e também da sua reputação.
BALTASAR GRACIÁN
FERNANDO PESSOA
Todos os movimentos da sensibilidade, por
agradáveis que sejam, são sempre interrupções
de um estado. Não só as grandes preocupações,
que nos distraem de nós, mas até as pequenas
alegrias, perturbam uma quietação a que todos,
sem saber, aspiramos.
Vivemos quase sempre fora de nós, e a mesma
vida é uma perpétua dispersão. Porém, é para
nós que tendemos, como um centro em torno do
qual fazemos, como os planetas, eclipses absurdas
e distantes.
(FERNANDO PESSOA)
agradáveis que sejam, são sempre interrupções
de um estado. Não só as grandes preocupações,
que nos distraem de nós, mas até as pequenas
alegrias, perturbam uma quietação a que todos,
sem saber, aspiramos.
Vivemos quase sempre fora de nós, e a mesma
vida é uma perpétua dispersão. Porém, é para
nós que tendemos, como um centro em torno do
qual fazemos, como os planetas, eclipses absurdas
e distantes.
(FERNANDO PESSOA)
FERNANDO PESSOA
Tornamo-nos esfinges, ainda que falsas, até
chegarmos ao ponto de já não sabermos quem
somos. O único modo de estarmos de acordo com
a vida é estarmos em desacordo com nós próprios.
O absurdo é divino.
Estabelecer teorias, pensando-as paciente e
honestamente, só para depois agirmos contra elas -
agirmos e justificarmos as nossas ações com
teorias que as condenam... Ter todos os gestos
e todas as atitudes de qualquer coisa que não
somos, nem pretendemos ser, nem pretendemos
ser tomados como sendo.
(Livro do Desassossego - F.Pessoa)
chegarmos ao ponto de já não sabermos quem
somos. O único modo de estarmos de acordo com
a vida é estarmos em desacordo com nós próprios.
O absurdo é divino.
Estabelecer teorias, pensando-as paciente e
honestamente, só para depois agirmos contra elas -
agirmos e justificarmos as nossas ações com
teorias que as condenam... Ter todos os gestos
e todas as atitudes de qualquer coisa que não
somos, nem pretendemos ser, nem pretendemos
ser tomados como sendo.
(Livro do Desassossego - F.Pessoa)
RIMBAUD
O poeta se torna vidente por meio de uma longa, imensa e
refletida desordem de todos os sentidos. Todas as formas de
amor, de sofrimento, de loucura, ele procura por si mesmo,
extrai de si mesmo todos os venenos, para guardar deles
apenas a quinta-essência (...) Pois ele consegue atingir o
desconhecido. Porque ele cultivou sua alma, já rica, mais
do que qualquer outro! Que morra nesse seu ímpeto pelas
coisas extraordinárias e incomunicáveis: outros virão, eles
começarão pelos horizontes onde o poeta se aniquilou!
O poeta é, pois, verdadeiramente, um ladrão de fogo.
ARTHUR RIMBAUD
refletida desordem de todos os sentidos. Todas as formas de
amor, de sofrimento, de loucura, ele procura por si mesmo,
extrai de si mesmo todos os venenos, para guardar deles
apenas a quinta-essência (...) Pois ele consegue atingir o
desconhecido. Porque ele cultivou sua alma, já rica, mais
do que qualquer outro! Que morra nesse seu ímpeto pelas
coisas extraordinárias e incomunicáveis: outros virão, eles
começarão pelos horizontes onde o poeta se aniquilou!
O poeta é, pois, verdadeiramente, um ladrão de fogo.
ARTHUR RIMBAUD
ALDOUS HUXLEY
Deus existe, mas ao mesmo tempo Deus não existe.
O Universo é governado pelo acaso irracional e ao
mesmo tempo por uma providência com preocupações
éticas . O sofrimento é gratuito e sem sentido, mas
também valioso e necessário. O Universo é um sádico
imbecil, mas também, simultaneamente, o mais
benevolente dos pais. Tudo é rigidamente
predeterminado, porém o arbítrio é perfeitamente
livre. O que é certo é que não há fuga da angústia e
da razão.
(ALDOUS HUXLEY)
O Universo é governado pelo acaso irracional e ao
mesmo tempo por uma providência com preocupações
éticas . O sofrimento é gratuito e sem sentido, mas
também valioso e necessário. O Universo é um sádico
imbecil, mas também, simultaneamente, o mais
benevolente dos pais. Tudo é rigidamente
predeterminado, porém o arbítrio é perfeitamente
livre. O que é certo é que não há fuga da angústia e
da razão.
(ALDOUS HUXLEY)
O NOVO E O VELHO
Em nossa cultura predomina a crença de que o novo é sempre superior ao
velho. Disso se segue que o filho se acha superior ao pai, que juventude é
melhor que experiência. Que a tradição é somente o peso morto do passado.
Existem culturas, como a oriental por exemplo, onde prevalecem outros
valores,
onde o passado e a tradição são reverenciados. Nessas culturas, onde a
experiência é reconhecida e aproveitada, o desenvolvimento é mais rápido,
porque
as novas gerações prosseguem do ponto em que pararam as anteriores.
Em culturas como a nossa, o progresso obtido pára no meio do caminho,
porque
os jovens querem começar do zero. Em consequência, o caminho nunca se
completa e os valores se dissolvem, as referências são abandonadas e o
que se observa é algo próximo o caos.
YEDRA
velho. Disso se segue que o filho se acha superior ao pai, que juventude é
melhor que experiência. Que a tradição é somente o peso morto do passado.
Existem culturas, como a oriental por exemplo, onde prevalecem outros
valores,
onde o passado e a tradição são reverenciados. Nessas culturas, onde a
experiência é reconhecida e aproveitada, o desenvolvimento é mais rápido,
porque
as novas gerações prosseguem do ponto em que pararam as anteriores.
Em culturas como a nossa, o progresso obtido pára no meio do caminho,
porque
os jovens querem começar do zero. Em consequência, o caminho nunca se
completa e os valores se dissolvem, as referências são abandonadas e o
que se observa é algo próximo o caos.
YEDRA
FERNANDO PESSOA
A vida que se vive é um desentendimento fluido, uma média alegre
entre a grandeza que não há e a felicidade que não pode haver.
Somos contentes porque até ao pensar e ao sentir, somos capazes
de não acreditar na existência da alma. No baile de máscaras que
vivemos, basta-nos o agrado do traje, que no baile é tudo. Somos
servos das luzes e das cores, vamos na dança como na verdade,
nem há para nós – salvo se, desertos, não dançamos – conhecimento
do grande frio do alto da noite externa, do corpo mortal por baixo
dos trapos que lhe sobrevivem, de tudo quanto, a sós, julgamos que
é essencialmente nós, mas afinal não é senão a paródia íntima da
verdade do que nos supomos. Se alguma coisa há que esta vida tem
para nós, e, salvo a mesma vida, tenhamos que agradecer aos Deuses,
é o dom de nos desconhecermos: de nos desconhercermos a nós
mesmos e de nos desconhecermos uns aos outros. A alma humana é
um abismo obscuro e viscoso, um poço que se não usa na superfície do
mundo. Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se conhecesse, e
assim, não havendo a vaidade, que é o sangue da vida espiritual,
morreríamos na alma de anemia. Ninguém conhece outro, e ainda
bem que o não conhece, e, se o conhecesse, conheceria nele, ainda
que mãe, mulher ou filho, o íntimo, metafísico inimigo.
FERNANDO PESSOA
entre a grandeza que não há e a felicidade que não pode haver.
Somos contentes porque até ao pensar e ao sentir, somos capazes
de não acreditar na existência da alma. No baile de máscaras que
vivemos, basta-nos o agrado do traje, que no baile é tudo. Somos
servos das luzes e das cores, vamos na dança como na verdade,
nem há para nós – salvo se, desertos, não dançamos – conhecimento
do grande frio do alto da noite externa, do corpo mortal por baixo
dos trapos que lhe sobrevivem, de tudo quanto, a sós, julgamos que
é essencialmente nós, mas afinal não é senão a paródia íntima da
verdade do que nos supomos. Se alguma coisa há que esta vida tem
para nós, e, salvo a mesma vida, tenhamos que agradecer aos Deuses,
é o dom de nos desconhecermos: de nos desconhercermos a nós
mesmos e de nos desconhecermos uns aos outros. A alma humana é
um abismo obscuro e viscoso, um poço que se não usa na superfície do
mundo. Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se conhecesse, e
assim, não havendo a vaidade, que é o sangue da vida espiritual,
morreríamos na alma de anemia. Ninguém conhece outro, e ainda
bem que o não conhece, e, se o conhecesse, conheceria nele, ainda
que mãe, mulher ou filho, o íntimo, metafísico inimigo.
FERNANDO PESSOA
MARCEL PROUST
Somente pela arte podemos sair de nós mesmos,
saber o que enxerga
outra pessoa desse universo que não é igual ao nosso,
e cujas paisagens permaneceriam tão ignoradas de nós
como as por acaso existentes na lua.
Graças à arte, em vez de ver um mundo, o nosso, nós o vemos
multiplicar-se,
e dispomos de tantos mundos quantos forem os artistas originais,
mais diferentes
uns dos outros do que aqueles que rolam pelo Infinito e que,
muitos séculos depois
de se haver extinto o núcleo de onde provêm, chame-se este
Rembrandt ou Vermeer, ainda nos enviam seus raios especiais.
Marcel Proust - Em busca do Tempo Perdido
saber o que enxerga
outra pessoa desse universo que não é igual ao nosso,
e cujas paisagens permaneceriam tão ignoradas de nós
como as por acaso existentes na lua.
Graças à arte, em vez de ver um mundo, o nosso, nós o vemos
multiplicar-se,
e dispomos de tantos mundos quantos forem os artistas originais,
mais diferentes
uns dos outros do que aqueles que rolam pelo Infinito e que,
muitos séculos depois
de se haver extinto o núcleo de onde provêm, chame-se este
Rembrandt ou Vermeer, ainda nos enviam seus raios especiais.
Marcel Proust - Em busca do Tempo Perdido
sexta-feira, 4 de julho de 2008
ERICH FROMM
A atividade produtiva denota o estado de atividade
íntima; não tem necessariamente conexão com a
criação de alguma coisa "útil". A produtividade é
uma tendência de caráter de que todos nós somos
capazes, na medida em que não sejamos
emocionalmente inválidos. As pessoas produtivas
dão alma a tudo o que tocam. Dão nascimento a
sua próprias faculdades e dão vida a outras
pessoas e as coisas. Atividade no sentido de mero
atarefamento, é movimento alienado, é na verdade,
passividade.
ERICH FROMM
íntima; não tem necessariamente conexão com a
criação de alguma coisa "útil". A produtividade é
uma tendência de caráter de que todos nós somos
capazes, na medida em que não sejamos
emocionalmente inválidos. As pessoas produtivas
dão alma a tudo o que tocam. Dão nascimento a
sua próprias faculdades e dão vida a outras
pessoas e as coisas. Atividade no sentido de mero
atarefamento, é movimento alienado, é na verdade,
passividade.
ERICH FROMM
VARGAS LLOSA
As grandes obras artísticas produzem um desassossego
exaltado e uma espécie de perplexidade feliz.
Em todos os ramos da criação artística, a
genialidade é uma anomalia inexplicável para as
armas da inteligência e da razão, mas na poesia é
ainda mais, um dom estranho, quase inumano,
para o qual parece inevitável recorrer a esses
horríveis adjetivos tão maltratados: milagroso,
transcendente, divino.
VARGAS LLOSA
exaltado e uma espécie de perplexidade feliz.
Em todos os ramos da criação artística, a
genialidade é uma anomalia inexplicável para as
armas da inteligência e da razão, mas na poesia é
ainda mais, um dom estranho, quase inumano,
para o qual parece inevitável recorrer a esses
horríveis adjetivos tão maltratados: milagroso,
transcendente, divino.
VARGAS LLOSA
TOCQUEVILLE
Os homens são, em geral, nem muito bons, nem muito
maus; são medíocres. Há duas pessoas em cada homem,
e se é infantil ver apenas uma, é totalmente triste e injusto
ver apenas a outra.
O homem com seus vícios, suas fraquezas, suas virtudes,
sua confusa mistura de bem e de mal, de baixezas e
elevações, de honestidade e depravação, é ainda, no
todo, o mais digno objeto de investigação, de interesse,
de compaixão, de afeição e de admiração, que se pode
encontrar na Terra.
Como não temos anjos, não podemos apegar-nos a
coisa alguma que seja mais nobre e mais digna de
devoção do que nosso próximo.
ALEXIS DE TOCQUEVILLE
maus; são medíocres. Há duas pessoas em cada homem,
e se é infantil ver apenas uma, é totalmente triste e injusto
ver apenas a outra.
O homem com seus vícios, suas fraquezas, suas virtudes,
sua confusa mistura de bem e de mal, de baixezas e
elevações, de honestidade e depravação, é ainda, no
todo, o mais digno objeto de investigação, de interesse,
de compaixão, de afeição e de admiração, que se pode
encontrar na Terra.
Como não temos anjos, não podemos apegar-nos a
coisa alguma que seja mais nobre e mais digna de
devoção do que nosso próximo.
ALEXIS DE TOCQUEVILLE
BERTRAND RUSSELL
No ato, no desejo, temos de nos submeter constantemente
à tirania das forças externas; mas em pensamento, em
aspiração, somos livres; livres do próximo, livres do
planeta mesquinho em que nosso corpo se arrasta
impotente, livres mesmo, enquanto vivemos, da tirania
da morte. O homem ainda é livre, durante sua breve
existência, de examinar, criticar, saber e, na imaginação,
criar. No mundo que conhece, só ele toca essa liberdade;
e nisto reside sua superioridade sobre as forças
irresistíveis que lhe controlam a vida exterior.
BERTRAND RUSSELL
à tirania das forças externas; mas em pensamento, em
aspiração, somos livres; livres do próximo, livres do
planeta mesquinho em que nosso corpo se arrasta
impotente, livres mesmo, enquanto vivemos, da tirania
da morte. O homem ainda é livre, durante sua breve
existência, de examinar, criticar, saber e, na imaginação,
criar. No mundo que conhece, só ele toca essa liberdade;
e nisto reside sua superioridade sobre as forças
irresistíveis que lhe controlam a vida exterior.
BERTRAND RUSSELL
COMTE-SPONVILLE
Filosofar é pensar mais longe do que aquilo que se sabe
e do aquilo que se pode saber.
O que é a filosofia? É uma prática teórica (discursiva, razoável,
conceitual),
mas não científica; ela se submete unicamente à razão e à experiência
— com exclusão de toda revelação de origem transcendente ou
sobrenatural e visa menos a conhecer do que a pensar ou questionar,
menos a aumentar nosso saber do que a refletir sobre aquilo que
sabemos ou ignoramos. Seus objetos de predileção são o Todo
e o homem. Seu alvo, que pode variar segundo as épocas e os
indivíduos, será com mais freqüência a felicidade, a liberdade ou a
verdade, e mesmo a conjunção das três (a sabedoria).
( André Comte-Sponville )
e do aquilo que se pode saber.
O que é a filosofia? É uma prática teórica (discursiva, razoável,
conceitual),
mas não científica; ela se submete unicamente à razão e à experiência
— com exclusão de toda revelação de origem transcendente ou
sobrenatural e visa menos a conhecer do que a pensar ou questionar,
menos a aumentar nosso saber do que a refletir sobre aquilo que
sabemos ou ignoramos. Seus objetos de predileção são o Todo
e o homem. Seu alvo, que pode variar segundo as épocas e os
indivíduos, será com mais freqüência a felicidade, a liberdade ou a
verdade, e mesmo a conjunção das três (a sabedoria).
( André Comte-Sponville )
VARGAS LLOSA
Quando fechamos os olhos e pensamos nos Andes a distância,
a primeira imagem que costuma aflorar á mente é a de uma
paisagem desumanizada, de cordilheirs de picos eretos e
nevados, abismos vertiginosos e vastas solidões ns quais
às vezes plana um solitário condor. Contudo, o que confere
mais dramatismo é a potência esmagadora da paisagem
em contraste com a fragilidade do homem; este invisível
povoador da minúscula aldeia que, ao pé da cordilheira
gigantesca, habita em vivendas quase invisíveis, semelhantes
a flocos de neve caídos do alto. O contraste tem um grande
efeito de plasticidade; e é, também, a demonstração evidente
do indômito espírito que fez com que esse povo fincasse
raízes nos Andes. Viver em certas regiões andinas, apesar
dos avanços da modernidade, continua sendo um combate
cotidiano.
MARIO VARGAS LLOSA
a primeira imagem que costuma aflorar á mente é a de uma
paisagem desumanizada, de cordilheirs de picos eretos e
nevados, abismos vertiginosos e vastas solidões ns quais
às vezes plana um solitário condor. Contudo, o que confere
mais dramatismo é a potência esmagadora da paisagem
em contraste com a fragilidade do homem; este invisível
povoador da minúscula aldeia que, ao pé da cordilheira
gigantesca, habita em vivendas quase invisíveis, semelhantes
a flocos de neve caídos do alto. O contraste tem um grande
efeito de plasticidade; e é, também, a demonstração evidente
do indômito espírito que fez com que esse povo fincasse
raízes nos Andes. Viver em certas regiões andinas, apesar
dos avanços da modernidade, continua sendo um combate
cotidiano.
MARIO VARGAS LLOSA
FERNANDO PESSOA
O meu sentido interior predomina de tal modo sobre os meus cinco
sentidos que vejo coisas nesta vida - acredito-o - de uma forma
diferente de outros homens. Há para mim - houve - toda uma riqueza
de significações em coisas tão ridículas como a chave de uma porta,
um prego na parede, os bigodes de um gato. Há para mim toda a
plenitude de sugestões espirituais numa galinha que atravessa a
rua com os seus pintinhos. Há para mim todo um significado mais
profundo do que os próprios receios humanos no cheiro do Sândalo,
em latas velhas, num monte de lixo, numa caixa de fósforos
deixada numa valeta, em dois papéis sujos que num dia de vento
esvoaçavam e se perseguem pela rua abaixo.
FERNANDO PESSOA
sentidos que vejo coisas nesta vida - acredito-o - de uma forma
diferente de outros homens. Há para mim - houve - toda uma riqueza
de significações em coisas tão ridículas como a chave de uma porta,
um prego na parede, os bigodes de um gato. Há para mim toda a
plenitude de sugestões espirituais numa galinha que atravessa a
rua com os seus pintinhos. Há para mim todo um significado mais
profundo do que os próprios receios humanos no cheiro do Sândalo,
em latas velhas, num monte de lixo, numa caixa de fósforos
deixada numa valeta, em dois papéis sujos que num dia de vento
esvoaçavam e se perseguem pela rua abaixo.
FERNANDO PESSOA
JEAN BAUDRILLARD
A falta de afeto, a neurose, a angústia e a frustração tratadas
pela psicanálise surgem sem dúvida da incapacidade de amar
ou de ser amado, da incapacidade de dar e de aceitar o prazer,
mas o desencanto radical tem origem no fracasso da sedução.
Só aqueles que se mantêm totalmente arredios à sedução adoecem,
ainda que permaneçam em plena capacidade de amar e fazer amor
A psicanálise acredita tratar do distúrbio do sexo e desejo, mas na
realidade está lidando com distúrbios da sedução. As deficiências
mais graves sempre estão relacionadas com o encanto e não com
o prazer, com o encantamento e não com uma satisfação
vital ou sexual.
JEAN BAUDRILLARD
pela psicanálise surgem sem dúvida da incapacidade de amar
ou de ser amado, da incapacidade de dar e de aceitar o prazer,
mas o desencanto radical tem origem no fracasso da sedução.
Só aqueles que se mantêm totalmente arredios à sedução adoecem,
ainda que permaneçam em plena capacidade de amar e fazer amor
A psicanálise acredita tratar do distúrbio do sexo e desejo, mas na
realidade está lidando com distúrbios da sedução. As deficiências
mais graves sempre estão relacionadas com o encanto e não com
o prazer, com o encantamento e não com uma satisfação
vital ou sexual.
JEAN BAUDRILLARD
CLARICE LISPECTOR
Pois no Rio tinha um lugar com uma lareira. E quando
ela percebeu que, além do frio, chovia nas árvores, não
pôde acreditar que tanto lhe fosse dado.
O acordo do mundo com aquilo que ela nem sequer
sabia que precisava como uma fome. Chovia, chovia.
O fogo aceso pisca para ela e para o homem.
Ele, o homem, se ocupa do que el nem sequer lhe
agradece; ele atiça o fogo na lareira, o que não lhe
é senão dever de nascimento.
E ela - que é sempre inquieta, fazedora de coisas e
experimentadora de curiosidades - pois ela nem se
lembra sequer de atiçar o fogo: não é seu papel, pois
se tem o seu homem para isso.
Não sendo donzela, que o homem então cumpra a
sua missão. O mais que ela faz é às vezes instigá-lo:
" aquela acha", diz-lhe, "aquela ainda não pegou".
E ele, um instante antes que ela acabe a frase que o
esclareceria, ele por ele mesmo já notara a acha,
homem seu que é, e já está atiçando a acha. Não a
comando seu, que é a mulher de um homem e que
perderia seu estado se lhe desse ordem.
Ela sabe, e não a toma. Quer a não dele, sabe que
quer, e não a toma. Tem exatamente o que precisa:
pode ter.
Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo
não pode durar. Não, ela não está se referindo ao
fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca
dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais
voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-
lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja.
Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a
mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela
doce, arde, arde, flameja...
CLARICE LISPECTOR
ela percebeu que, além do frio, chovia nas árvores, não
pôde acreditar que tanto lhe fosse dado.
O acordo do mundo com aquilo que ela nem sequer
sabia que precisava como uma fome. Chovia, chovia.
O fogo aceso pisca para ela e para o homem.
Ele, o homem, se ocupa do que el nem sequer lhe
agradece; ele atiça o fogo na lareira, o que não lhe
é senão dever de nascimento.
E ela - que é sempre inquieta, fazedora de coisas e
experimentadora de curiosidades - pois ela nem se
lembra sequer de atiçar o fogo: não é seu papel, pois
se tem o seu homem para isso.
Não sendo donzela, que o homem então cumpra a
sua missão. O mais que ela faz é às vezes instigá-lo:
" aquela acha", diz-lhe, "aquela ainda não pegou".
E ele, um instante antes que ela acabe a frase que o
esclareceria, ele por ele mesmo já notara a acha,
homem seu que é, e já está atiçando a acha. Não a
comando seu, que é a mulher de um homem e que
perderia seu estado se lhe desse ordem.
Ela sabe, e não a toma. Quer a não dele, sabe que
quer, e não a toma. Tem exatamente o que precisa:
pode ter.
Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo
não pode durar. Não, ela não está se referindo ao
fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca
dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais
voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-
lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja.
Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a
mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela
doce, arde, arde, flameja...
CLARICE LISPECTOR
FERNANDO PESSOA
Cada homem, desde que sai da nebulose da infância e da adolescência,
é em grande parte um produto do seu conceito de si mesmo.
Pode dizer-se sem exagero mais que verbal, que temos duas espécies
de pais: os nossos pais, propriamente ditos, a quem devemos o ser
físico e a base hereditária do nosso temperamento; e, depois, o meio
em que vivemos, e o conceito que formamos de nós próprios - mãe
e pai, por assim dizer, do nosso ser mental definitivo.
Se um homem criar o hábito de se julgar inteligente, não obterá com
isso, é certo, um grau de inteligência que não tem; mas fará mais da
inteligência que tem do que se julgar estúpido. E isto, que se dá num
caso intelectual, mais marcadamente se dá num caso moral, pois a
plasticidade das nossas qualidades morais é muito mais acentuada que
a das faculdades da nossa mente.
Ora, ordinariamente, o que é verdade da psicologia individual -
abstraindo daqueles fenómenos que são exclusivamente individuais
- é também verdade da psicologia colectiva. Uma nação que
habitualmente pense mal de si mesma acabará por merecer o conceito
de si que anteformou. Envenena-se mentalmente.
Os fatos provam o que quer o raciocinador. Nem, propriamente,
existem factos, mas apenas impressões nossas, a que damos, por
conveniência, aquele nome. Mas haja ou não fatos, o que é certo é que
não existe ciência social - ou, pelo menos, não existe ainda. E como
assim é, tanto podemos crer que nos regenaremos, como crer o contrário.
Se temos, pois, a liberdade de escolha, porque não escolher a atitude
mental que nos é mais favorável em vez daquela que nos é menos?
FERNANDO PESSOA
é em grande parte um produto do seu conceito de si mesmo.
Pode dizer-se sem exagero mais que verbal, que temos duas espécies
de pais: os nossos pais, propriamente ditos, a quem devemos o ser
físico e a base hereditária do nosso temperamento; e, depois, o meio
em que vivemos, e o conceito que formamos de nós próprios - mãe
e pai, por assim dizer, do nosso ser mental definitivo.
Se um homem criar o hábito de se julgar inteligente, não obterá com
isso, é certo, um grau de inteligência que não tem; mas fará mais da
inteligência que tem do que se julgar estúpido. E isto, que se dá num
caso intelectual, mais marcadamente se dá num caso moral, pois a
plasticidade das nossas qualidades morais é muito mais acentuada que
a das faculdades da nossa mente.
Ora, ordinariamente, o que é verdade da psicologia individual -
abstraindo daqueles fenómenos que são exclusivamente individuais
- é também verdade da psicologia colectiva. Uma nação que
habitualmente pense mal de si mesma acabará por merecer o conceito
de si que anteformou. Envenena-se mentalmente.
Os fatos provam o que quer o raciocinador. Nem, propriamente,
existem factos, mas apenas impressões nossas, a que damos, por
conveniência, aquele nome. Mas haja ou não fatos, o que é certo é que
não existe ciência social - ou, pelo menos, não existe ainda. E como
assim é, tanto podemos crer que nos regenaremos, como crer o contrário.
Se temos, pois, a liberdade de escolha, porque não escolher a atitude
mental que nos é mais favorável em vez daquela que nos é menos?
FERNANDO PESSOA
HENRY MILLER
Em um sentido profundo adiamos a ação para sempre.
Paqueramos o destino e arrulhamo-nos com mitos para
nos adormecer. Morremos com os sofrimentos de nossas
próprias lendas trágicas como aranhas presas em suas teias.
Se há algo que merece ser chamado "obsceno" é esse
confronto fugaz e de relance com os mistérios, esse andar
até a borda do abismo, gozando de todos os êxtases da
vertigem, mas relutando em ceder ao feitiço do desconhecido.
O obsceno possui todas as propriedades da zona oculta.
É tão vasto quanto o próprio inconsciente, e tão amorfo e
fluído como a substância mesma do inconsciente. É o que
vem à tona como algo estranho, embriagado e proibido e que,
portanto, paralisa e seduz quando, tal como Narciso, observa
a nossa imagem diante do espelho da nossa própria
iniqüidade. É bem conhecido por todos e ao mesmo tempo
menosprezadoe rejeitado, razão pela qual aflora sem cessar
com máscaras proteiformes, nos momentos menos esperados.
Quando é reconhecido e aceito, quer como produto da
imaginação, quer como parte integrante da realidade humana,
inspira o mesmo horror e aversão que poderia produzir o
lótus florido que submerge suas raízes no rio que lhe
deu origem.
HENRY MILLER
Paqueramos o destino e arrulhamo-nos com mitos para
nos adormecer. Morremos com os sofrimentos de nossas
próprias lendas trágicas como aranhas presas em suas teias.
Se há algo que merece ser chamado "obsceno" é esse
confronto fugaz e de relance com os mistérios, esse andar
até a borda do abismo, gozando de todos os êxtases da
vertigem, mas relutando em ceder ao feitiço do desconhecido.
O obsceno possui todas as propriedades da zona oculta.
É tão vasto quanto o próprio inconsciente, e tão amorfo e
fluído como a substância mesma do inconsciente. É o que
vem à tona como algo estranho, embriagado e proibido e que,
portanto, paralisa e seduz quando, tal como Narciso, observa
a nossa imagem diante do espelho da nossa própria
iniqüidade. É bem conhecido por todos e ao mesmo tempo
menosprezadoe rejeitado, razão pela qual aflora sem cessar
com máscaras proteiformes, nos momentos menos esperados.
Quando é reconhecido e aceito, quer como produto da
imaginação, quer como parte integrante da realidade humana,
inspira o mesmo horror e aversão que poderia produzir o
lótus florido que submerge suas raízes no rio que lhe
deu origem.
HENRY MILLER
CLARICE LISPECTOR
Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez
que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela
aparece toda. É a visão de uma floresta, e na floresta
vejo a clareira verde, meio escura, rodeada de alturas,
e no meio desse bom escuro estão muitas borboletas,
um leão amarelo sentado, e eu sentada no chão
tricotando. As horas passam como muitos anos, e
os anos se passam realmente, as borboletas cheias
de grandes asas e o leão amarelo com manchas - mas
as manchas são apenas para que se veja que ele é
amarelo, pelas manchas se vê como ele seria se não
fosse amarelo. O bom dessa imagem é a penumbra, que
não exige mais do que a capacidade dos meus olhos
e não ultrapassa minha visão. E ali estou eu, com borboleta,
com leão. Minha clareira tem uns minérios, que são as
cores. Só existe uma ameaça: é saber com apreensão
que fora dali estou perdida, porque nem sequer será floresta
( a floresta eu conheço de antemão, por amor), será um
campo vazio ( e este eu conheço de antemão através
do medo) - tão vazio que tanto me fará ir para um lado
como para o outro (...) Para falar a verdade nunca estive
tão bem. Cada um de nós está em seu lugar, eu me
submeto bem ao meu lugar. Vou até repetir um pouco
mais porque está ficando cada vez melhor: o leão
amarelo e as borboletas caladas, eu sentada no chão
tricotando, e nós assim cheios de gosto pela clareira
verde. Nós somos contentes.
CLARICE LISPECTOR
que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela
aparece toda. É a visão de uma floresta, e na floresta
vejo a clareira verde, meio escura, rodeada de alturas,
e no meio desse bom escuro estão muitas borboletas,
um leão amarelo sentado, e eu sentada no chão
tricotando. As horas passam como muitos anos, e
os anos se passam realmente, as borboletas cheias
de grandes asas e o leão amarelo com manchas - mas
as manchas são apenas para que se veja que ele é
amarelo, pelas manchas se vê como ele seria se não
fosse amarelo. O bom dessa imagem é a penumbra, que
não exige mais do que a capacidade dos meus olhos
e não ultrapassa minha visão. E ali estou eu, com borboleta,
com leão. Minha clareira tem uns minérios, que são as
cores. Só existe uma ameaça: é saber com apreensão
que fora dali estou perdida, porque nem sequer será floresta
( a floresta eu conheço de antemão, por amor), será um
campo vazio ( e este eu conheço de antemão através
do medo) - tão vazio que tanto me fará ir para um lado
como para o outro (...) Para falar a verdade nunca estive
tão bem. Cada um de nós está em seu lugar, eu me
submeto bem ao meu lugar. Vou até repetir um pouco
mais porque está ficando cada vez melhor: o leão
amarelo e as borboletas caladas, eu sentada no chão
tricotando, e nós assim cheios de gosto pela clareira
verde. Nós somos contentes.
CLARICE LISPECTOR
GOETHE
Uma teoria em si e por si não é útil para nada. Ela só é
útil na medida em que nos faz crer na conexão dos
fenômenos. A experiência pode ser ampliada até o
infinito, uma teoria não. Por isso uma teoria muito
circunscrita não tem proveito para uma experiência
ampliada. O homem erra quando procura causa e
efeito ns fenômenos: os dois juntos fazem parte do
fenômeno indizível. Um grande erro que cometemos
é pensar a causa como estando sempre próxima
do efeito.
O que temos são sempre apenas os nossos olhos,
os nossos modos de representação. E quem se
habitua com uma representação falsa acaba por
considerar como bem-vindo qualquer erro. Porém,
nada se desenvolve a partir do erro, ele apenas nos
confunde.
(GOETHE)
útil na medida em que nos faz crer na conexão dos
fenômenos. A experiência pode ser ampliada até o
infinito, uma teoria não. Por isso uma teoria muito
circunscrita não tem proveito para uma experiência
ampliada. O homem erra quando procura causa e
efeito ns fenômenos: os dois juntos fazem parte do
fenômeno indizível. Um grande erro que cometemos
é pensar a causa como estando sempre próxima
do efeito.
O que temos são sempre apenas os nossos olhos,
os nossos modos de representação. E quem se
habitua com uma representação falsa acaba por
considerar como bem-vindo qualquer erro. Porém,
nada se desenvolve a partir do erro, ele apenas nos
confunde.
(GOETHE)
BALZAC
A acusação de imoralidade, que nunca faltou ao escritor corajoso,
é aliás a última que resta a fazer quando não se tem mais nada a
dizer a um poeta. Se fordes verdadeiro em vossas pinturas;
se, à força de trabalhos diurnos e noturnos, conseguirdes escrever
a língua mais difícil do mundo, atiram-se-vos a palavra imoral
ao rosto. Sócrates foi imoral, Jesus Cristo foi imoral; ambos foram
perseguidos em nome das sociedades que derrubavam ou
reformavam. Quando se quer matar alguém, acusam-no
de imoralidade.
Honoré de Balzac
é aliás a última que resta a fazer quando não se tem mais nada a
dizer a um poeta. Se fordes verdadeiro em vossas pinturas;
se, à força de trabalhos diurnos e noturnos, conseguirdes escrever
a língua mais difícil do mundo, atiram-se-vos a palavra imoral
ao rosto. Sócrates foi imoral, Jesus Cristo foi imoral; ambos foram
perseguidos em nome das sociedades que derrubavam ou
reformavam. Quando se quer matar alguém, acusam-no
de imoralidade.
Honoré de Balzac
terça-feira, 29 de abril de 2008
A FELICIDADE
A felicidade é um estado. Isso quer dizer uma maneira de ser
que consiste em ser por nada senão por ser e em encontrar
nessa maneira de ser assim gratuitamente uma forma de
plenitude. Em virtude disso, a felicidade não está nas coisas nem
é alguma coisa. Ela também não está em alguém nem é alguém,
mas está na maneira pela qual se vivem as coisas e os outros.
Tudo pode, portanto, tornar-se ocasião de felicidade.
Todo mundo igualmente. Por menos que se faça não só um
esforço para ser, mas também e sobretudo o esforço de ser.
Donde a extraordinária liberdade da felicidade.
Sua extraordinária capacidade igualmente de poder transformar tudo.
BERTRAND VERGERLY
que consiste em ser por nada senão por ser e em encontrar
nessa maneira de ser assim gratuitamente uma forma de
plenitude. Em virtude disso, a felicidade não está nas coisas nem
é alguma coisa. Ela também não está em alguém nem é alguém,
mas está na maneira pela qual se vivem as coisas e os outros.
Tudo pode, portanto, tornar-se ocasião de felicidade.
Todo mundo igualmente. Por menos que se faça não só um
esforço para ser, mas também e sobretudo o esforço de ser.
Donde a extraordinária liberdade da felicidade.
Sua extraordinária capacidade igualmente de poder transformar tudo.
BERTRAND VERGERLY
BALTASAR GRACIÁN
O desejo é a medida da estima. Jamais se deve
contentá-lo por completo. O bom é duplamente
bom quando há pouco. O gozo pleno demais é
perigoso, pois é a causa pela qual se despreza
a mais alta perfeição. A única regra do prazer é
encontrar o apetite que se deixou esfomeado.
É preciso provocá-lo pela impaciência: o que
custa sofrimento contenta duplamente.
(BALTASAR GRACÍAN)
contentá-lo por completo. O bom é duplamente
bom quando há pouco. O gozo pleno demais é
perigoso, pois é a causa pela qual se despreza
a mais alta perfeição. A única regra do prazer é
encontrar o apetite que se deixou esfomeado.
É preciso provocá-lo pela impaciência: o que
custa sofrimento contenta duplamente.
(BALTASAR GRACÍAN)
NUNO JÚDICE
A IMAGEM DO VENTO
No princípio, desenvolveu a idéia de que o arco-íris era uma
ponte: aparecia sobre os barcos, no fim dos temporais, e o
marinheiro da gávea avistava uma mulher de cabelos de ouro,
agitados pelo vento, a atravessá-la; alguns desses marinheiros
enlouqueceram. Conheceu-os, durante os meses em que estudou
os costumes dos portos - sentavam-se à parte, nas tabernas, e
acendiam uma vela. Diziam que o brilho da chama evocava os
cabelos dourados dessa mulher; e que o azul do alcoól os fixava,
como um olhar celeste.
Tentou então viver essa experiência: embarcou num velho
cargueiro e, durante dois ou três anos, percorreu os mares.
Mas nunca encontrou a deusa; nem os arco-íris formavam o
arco completo da ponte que imaginara. Também ele enlouqueceu,
e dizem que sobe ao telhado da casa, nas noites
de temporal, e grita pelo sol, a quem dá um nome de mulher;
até ficar rouco e o trazerem para o quarto. Aí, até adormecer,
murmura esse nome sem corpo, sem imagem, sem luz.
Nuno Júdice
No princípio, desenvolveu a idéia de que o arco-íris era uma
ponte: aparecia sobre os barcos, no fim dos temporais, e o
marinheiro da gávea avistava uma mulher de cabelos de ouro,
agitados pelo vento, a atravessá-la; alguns desses marinheiros
enlouqueceram. Conheceu-os, durante os meses em que estudou
os costumes dos portos - sentavam-se à parte, nas tabernas, e
acendiam uma vela. Diziam que o brilho da chama evocava os
cabelos dourados dessa mulher; e que o azul do alcoól os fixava,
como um olhar celeste.
Tentou então viver essa experiência: embarcou num velho
cargueiro e, durante dois ou três anos, percorreu os mares.
Mas nunca encontrou a deusa; nem os arco-íris formavam o
arco completo da ponte que imaginara. Também ele enlouqueceu,
e dizem que sobe ao telhado da casa, nas noites
de temporal, e grita pelo sol, a quem dá um nome de mulher;
até ficar rouco e o trazerem para o quarto. Aí, até adormecer,
murmura esse nome sem corpo, sem imagem, sem luz.
Nuno Júdice
A ARTE - F. PESSOA
A arte mente porque é social. E há só duas grandes formas
de arte - uma que se dirige à nossa alma profunda, a outra
que se dirige à nossa alma atenta. A primeira é a poesia,
o romance a segunda. A primeira começa a mentir na própria
intenção. Uma pretende dar-nos a verdade por meio de
linhas variadamente regradas, que mentem à inerência
da fala; outra pretende dar-nos a verdade por uma
realidade que todos sabemos bem que nunca houve.
FERNANDO PESSOA
de arte - uma que se dirige à nossa alma profunda, a outra
que se dirige à nossa alma atenta. A primeira é a poesia,
o romance a segunda. A primeira começa a mentir na própria
intenção. Uma pretende dar-nos a verdade por meio de
linhas variadamente regradas, que mentem à inerência
da fala; outra pretende dar-nos a verdade por uma
realidade que todos sabemos bem que nunca houve.
FERNANDO PESSOA
quinta-feira, 10 de abril de 2008
MILAN KUNDERA
Outrora, eu também considerei o futuro como único juiz
competente de nossas obras e de nossos atos.
Mais tarde é que compreendi que o namoro com o futuro
é o pior dos conformismos, a covarde adulação do mais forte.
Pois o futuro é sempre mais forte que o presente.
É realmente ele, com efeito, que nos julgará.
E, certamente, sem nenhuma competência.
MILAN KUNDERA
competente de nossas obras e de nossos atos.
Mais tarde é que compreendi que o namoro com o futuro
é o pior dos conformismos, a covarde adulação do mais forte.
Pois o futuro é sempre mais forte que o presente.
É realmente ele, com efeito, que nos julgará.
E, certamente, sem nenhuma competência.
MILAN KUNDERA
MARIO VARGAS LLOSA
Quando fechamos os olhos e pensamos nos Andes a distância,
a primeira imagem que costuma aflorar á mente é a de uma
paisagem desumanizada, de cordilheirs de picos eretos e
nevados, abismos vertiginosos e vastas solidões ns quais
às vezes plana um solitário condor. Contudo, o que confere
mais dramatismo é a potência esmagadora da paisagem
em contraste com a fragilidade do homem; este invisível
povoador da minúscula aldeia que, ao pé da cordilheira
gigantesca, habita em vivendas quase invisíveis, semelhantes
a flocos de neve caídos do alto. O contraste tem um grande
efeito de plasticidade; e é, também, a demonstração evidente
do indômito espírito que fez com que esse povo fincasse
raízes nos Andes. Viver em certas regiões andinas, apesar
dos avanços da modernidade, continua sendo um combate
cotidiano.
MARIO VARGAS LLOSA
a primeira imagem que costuma aflorar á mente é a de uma
paisagem desumanizada, de cordilheirs de picos eretos e
nevados, abismos vertiginosos e vastas solidões ns quais
às vezes plana um solitário condor. Contudo, o que confere
mais dramatismo é a potência esmagadora da paisagem
em contraste com a fragilidade do homem; este invisível
povoador da minúscula aldeia que, ao pé da cordilheira
gigantesca, habita em vivendas quase invisíveis, semelhantes
a flocos de neve caídos do alto. O contraste tem um grande
efeito de plasticidade; e é, também, a demonstração evidente
do indômito espírito que fez com que esse povo fincasse
raízes nos Andes. Viver em certas regiões andinas, apesar
dos avanços da modernidade, continua sendo um combate
cotidiano.
MARIO VARGAS LLOSA
CARLOS NEJAR
... quem não sabe imaginar não sabe ver... e o que é mágico
desarruma a lógica. Se os homens calam, falarão pedras.
Se as pedras calam, falarão bichos. Ou então todas as
coisas falarão na sua hora de viagem. O maravilhoso da
palavra é que pertence a quem a toma. Não somos tão
celestes, mas a humanidade é tudo que nos adota.
Sem ser fábula, fabulamos...
(Carlos Nejar)
desarruma a lógica. Se os homens calam, falarão pedras.
Se as pedras calam, falarão bichos. Ou então todas as
coisas falarão na sua hora de viagem. O maravilhoso da
palavra é que pertence a quem a toma. Não somos tão
celestes, mas a humanidade é tudo que nos adota.
Sem ser fábula, fabulamos...
(Carlos Nejar)
HERMANN HESSE
“- Quando alguém procura muito - explicou Sidarta -
pode facilmente acontecer que seus olhos se concentrem
exclusivamente no objeto procurado e que ele fique incapaz
de achar o que quer que seja, tornando-se inacessível a
tudo e a qualquer coisa porque sempre só pensa naquele
objeto, e porque tem uma meta, que o obceca inteiramente.
Procurar significa: ter uma meta. Mas achar significa: estar
livre, abrir-se a tudo, não ter meta alguma. Pode ser que tu,
ó venerável, sejas realmente um buscador, já que, no afã de
te aproximares da tua meta, não enxergas certas coisas que
se encontram bem perto dos teus olhos.”
HERMANN HESSE - SIDARTA
pode facilmente acontecer que seus olhos se concentrem
exclusivamente no objeto procurado e que ele fique incapaz
de achar o que quer que seja, tornando-se inacessível a
tudo e a qualquer coisa porque sempre só pensa naquele
objeto, e porque tem uma meta, que o obceca inteiramente.
Procurar significa: ter uma meta. Mas achar significa: estar
livre, abrir-se a tudo, não ter meta alguma. Pode ser que tu,
ó venerável, sejas realmente um buscador, já que, no afã de
te aproximares da tua meta, não enxergas certas coisas que
se encontram bem perto dos teus olhos.”
HERMANN HESSE - SIDARTA
GARCIA LORCA
A imaginação dos homens inventou os gigantes para
atribuir-lhes a construção das grandes cavernas ou
"cidades encantadas". A realidade depois ensinou que
essas grandes cavernas foram feitas pela gota d'água,
paciente e eterna. A imaginação estava no seu ponto
lógico ao atribuir a gigantes o que parecia obra de
gigantes; mas a realidade científica, punha sua verdade
nas limpas gotas da água perene. Porque é mais belo
uma caverna ser um misterioso capricho da água
encadeada e ordenada por leis eternas que o capricho
de uns gigantes, que não tem mais sentido que o de
uma explicação.
Garcia Lorca
atribuir-lhes a construção das grandes cavernas ou
"cidades encantadas". A realidade depois ensinou que
essas grandes cavernas foram feitas pela gota d'água,
paciente e eterna. A imaginação estava no seu ponto
lógico ao atribuir a gigantes o que parecia obra de
gigantes; mas a realidade científica, punha sua verdade
nas limpas gotas da água perene. Porque é mais belo
uma caverna ser um misterioso capricho da água
encadeada e ordenada por leis eternas que o capricho
de uns gigantes, que não tem mais sentido que o de
uma explicação.
Garcia Lorca
ARTHUR RIMBAUD
O poeta se torna vidente por meio de uma longa, imensa e
refletida desordem de todos os sentidos. Todas as formas de
amor, de sofrimento, de loucura, ele procura por si mesmo,
extrai de si mesmo todos os venenos, para guardar deles
apenas a quinta-essência (...) Pois ele consegue atingir o
desconhecido. Porque ele cultivou sua alma, já rica, mais
do que qualquer outro! Que morra nesse seu ímpeto pelas
coisas extraordinárias e incomunicáveis: outros virão, eles
começarão pelos horizontes onde o poeta se aniquilou!
O poeta é, pois, verdadeiramente, um ladrão de fogo.
ARTHUR RIMBAUD
refletida desordem de todos os sentidos. Todas as formas de
amor, de sofrimento, de loucura, ele procura por si mesmo,
extrai de si mesmo todos os venenos, para guardar deles
apenas a quinta-essência (...) Pois ele consegue atingir o
desconhecido. Porque ele cultivou sua alma, já rica, mais
do que qualquer outro! Que morra nesse seu ímpeto pelas
coisas extraordinárias e incomunicáveis: outros virão, eles
começarão pelos horizontes onde o poeta se aniquilou!
O poeta é, pois, verdadeiramente, um ladrão de fogo.
ARTHUR RIMBAUD
ALDOUS HUXLEY
O “eu” que penso ser e o “eu” que realmente sou!
Em outros termos, o sofrimento. Cerca de um terço do
sofrimento que devo suportar é inteiramente inevitável por ser
inerente à propria condição humana. Representa o preço
que todos temos que pagar pelo fato de sermos dotados
de sensibilidade; embora sedentos de liberação, nos sujeitamos
às leis naturais que nos obrigam a continuar caminhando
(sem poder retroceder) através de um mundo inteiramente
indiferente ao nosso bem-estar. Caminhando em direção à
decrepitude e à certeza da morte. Os outros dois terços são
“confeccionados em casa” e o universo os considera
inteiramente supérfluos.
Aldous Huxley
Em outros termos, o sofrimento. Cerca de um terço do
sofrimento que devo suportar é inteiramente inevitável por ser
inerente à propria condição humana. Representa o preço
que todos temos que pagar pelo fato de sermos dotados
de sensibilidade; embora sedentos de liberação, nos sujeitamos
às leis naturais que nos obrigam a continuar caminhando
(sem poder retroceder) através de um mundo inteiramente
indiferente ao nosso bem-estar. Caminhando em direção à
decrepitude e à certeza da morte. Os outros dois terços são
“confeccionados em casa” e o universo os considera
inteiramente supérfluos.
Aldous Huxley
COMTE-SPONVILLE
A vida é boa acima de tudo; é boa por si mesma; o raciocínio
nada conta para isso. Não se é feliz por viagem, riqueza,
sucesso, prazer. É-se feliz porque se é feliz. A felicidade é o
sabor mesmo da vida. Como o morango tem gosto de morango,
assim a vida tem gosto de felicidade. O sol é bom; a chuva é boa;
todo ruído é música. Ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar não é
mais do que uma sucessão de felicidades. Mesmo os pesares,
mesmo as dores, mesmo o cansaço, tudo isso tem um sabor
de vida. Existir é bom; não melhor do que outra coisa; pois
existir é tudo, e não existir não é nada. Agir é uma alegria.
Perceber é uma alegria também. Não somos condenados
a viver; vivemos avidamente. Queremos ver, tocar, julgar;
queremos descobrir o mundo. Viver é querer viver.
Qualquer vida é um canto de regozijo.
( André Comte-Sponville - Do livro: Bom dia, angústia! )
nada conta para isso. Não se é feliz por viagem, riqueza,
sucesso, prazer. É-se feliz porque se é feliz. A felicidade é o
sabor mesmo da vida. Como o morango tem gosto de morango,
assim a vida tem gosto de felicidade. O sol é bom; a chuva é boa;
todo ruído é música. Ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar não é
mais do que uma sucessão de felicidades. Mesmo os pesares,
mesmo as dores, mesmo o cansaço, tudo isso tem um sabor
de vida. Existir é bom; não melhor do que outra coisa; pois
existir é tudo, e não existir não é nada. Agir é uma alegria.
Perceber é uma alegria também. Não somos condenados
a viver; vivemos avidamente. Queremos ver, tocar, julgar;
queremos descobrir o mundo. Viver é querer viver.
Qualquer vida é um canto de regozijo.
( André Comte-Sponville - Do livro: Bom dia, angústia! )
segunda-feira, 31 de março de 2008
JOSÉ EMÍLIO PACHECO
Letras, incisões na arena, na transpiração.
Signos que desaparecerão na água ou no vento.
Símbolos estupidamente aferrados à hora,
Que se cumpre dentro de mim, ao silêncio.
Para que fender esta remota solidão das coisas?
Por que enchê-las de súplicas, de traços, de invocações?
Porque é um modo de reduzir o espaço, a origem;
De iluminar, mediante o pobre protesto,
A vida sombra que se filtra sobre o instante.
Porque assim as muralhas desse cárcere,
Que eu mesmo erigi, não prevalecerão
Contra meu nada.
(José Emílio Pacheco - poeta mexicano)
Signos que desaparecerão na água ou no vento.
Símbolos estupidamente aferrados à hora,
Que se cumpre dentro de mim, ao silêncio.
Para que fender esta remota solidão das coisas?
Por que enchê-las de súplicas, de traços, de invocações?
Porque é um modo de reduzir o espaço, a origem;
De iluminar, mediante o pobre protesto,
A vida sombra que se filtra sobre o instante.
Porque assim as muralhas desse cárcere,
Que eu mesmo erigi, não prevalecerão
Contra meu nada.
(José Emílio Pacheco - poeta mexicano)
OBJETIVO DA ARTE
O Objetivo da Arte não é ser Moral nem Imoral.
A arte não tem, para o artista, fim social. Tem, sim, um destino social,
mas o artista nunca sabe qual ele é, porque a Natureza o oculta
no labirinto dos seus desígnios. Eu explico melhor.
O artista deve escrever, pintar, esculpir, sem olhar a outra coisa
que ao que escreve, pinta, ou esculpe. Deve escrever sem olhar para
fora de si. Por isso a arte, não deve ser, propositadamente, moral
nem imoral. É tão vergonhoso fazer arte moral como fazer arte imoral.
Ambas as [coisas] implicam que o artista desceu a preocupar-se com
a gente de lá fora. Tão inferior é, neste ponto, um sermonário católico
como um triste Wilde ou d'Annunzio, sempre com a preocupação de irritar
a platéia. Irritar é um modo de agradar.
Todas as criaturas que gostam de mulheres sabem isso, e eu também sei.
FERNANDO PESSOA
A arte não tem, para o artista, fim social. Tem, sim, um destino social,
mas o artista nunca sabe qual ele é, porque a Natureza o oculta
no labirinto dos seus desígnios. Eu explico melhor.
O artista deve escrever, pintar, esculpir, sem olhar a outra coisa
que ao que escreve, pinta, ou esculpe. Deve escrever sem olhar para
fora de si. Por isso a arte, não deve ser, propositadamente, moral
nem imoral. É tão vergonhoso fazer arte moral como fazer arte imoral.
Ambas as [coisas] implicam que o artista desceu a preocupar-se com
a gente de lá fora. Tão inferior é, neste ponto, um sermonário católico
como um triste Wilde ou d'Annunzio, sempre com a preocupação de irritar
a platéia. Irritar é um modo de agradar.
Todas as criaturas que gostam de mulheres sabem isso, e eu também sei.
FERNANDO PESSOA
SABEDORIA ORIENTAL
Um homem visitou um místico famoso, porque queria saber
como se livrar de suas crenças e preconceitos. Em vez de
lhe responder, o místico andou em direção à uma pilastra e a
abraçou, enquanto gritava:
- Socorro, salve-me desta pilastra! Ela está me prendendo!
Salve-me desta pilastra!
O homem que fizera a pergunta, pensou que o místico era
maluco. A gritaria atraiu um monte de gente. Sem conseguir
acreditar no que via, o homem perguntou:
- Por que está fazendo isso? Eu vim para lhe fazer uma
pergunta importante. Pensei que fosse sábio, mas acho que
é louco. O senhor está segurando a pilastra e pode soltá-la na
hora que quiser. Ela não o está prendendo.
O místico largou a pilastra e disse:
- Então já tem a resposta à sua pergunta.
Não são suas crenças e preconceitos que te seguram.
Você os agarra firmemente e não os solta. Para se livrar deles,
basta largá-los na hora que quiser.
(SABEDORIA ORIENTAL)
como se livrar de suas crenças e preconceitos. Em vez de
lhe responder, o místico andou em direção à uma pilastra e a
abraçou, enquanto gritava:
- Socorro, salve-me desta pilastra! Ela está me prendendo!
Salve-me desta pilastra!
O homem que fizera a pergunta, pensou que o místico era
maluco. A gritaria atraiu um monte de gente. Sem conseguir
acreditar no que via, o homem perguntou:
- Por que está fazendo isso? Eu vim para lhe fazer uma
pergunta importante. Pensei que fosse sábio, mas acho que
é louco. O senhor está segurando a pilastra e pode soltá-la na
hora que quiser. Ela não o está prendendo.
O místico largou a pilastra e disse:
- Então já tem a resposta à sua pergunta.
Não são suas crenças e preconceitos que te seguram.
Você os agarra firmemente e não os solta. Para se livrar deles,
basta largá-los na hora que quiser.
(SABEDORIA ORIENTAL)
MARGARET MEAD
A delicadeza é sempre uma inimiga da arte. Quem
se preocupa com o que pensam os vizinhos, os
críticos e os censores, não criará jamais um trabalho
que desafie as restrições do consciente e mergulhe
no mundo dos sonhos. A arte verdadeira deve ser
produto de uma criatividade desembaraçada.
Somente liberto das inibições, o artista pode sondar
as profundezas do inconsciente e sentir-se livre para
expressar o "universal" presente em todos os seres
humanos.
(MARGARET MEAD)
se preocupa com o que pensam os vizinhos, os
críticos e os censores, não criará jamais um trabalho
que desafie as restrições do consciente e mergulhe
no mundo dos sonhos. A arte verdadeira deve ser
produto de uma criatividade desembaraçada.
Somente liberto das inibições, o artista pode sondar
as profundezas do inconsciente e sentir-se livre para
expressar o "universal" presente em todos os seres
humanos.
(MARGARET MEAD)
MARIO VARGAS LLOSA
Inventar e contar histórias é coisa tão antiga como falar,
uma atividade que deve ter nascido e crescido com a
linguagem (...) Os contos e as histórias foram anteriores às
religiões e também seus rudimentos, as sementes que a
imaginação, o medo e o sonhos da imortalidade desenvolveriam
depois em mitos, teologias, sistemas filosóficos e
arquiteturas intelectuais fabulosas. Assim, junto à vida
verddeira, a do suor, da fome, da rotina, da doença, outra
vida surgiu, feita de palavras e fantasias. Vida que se escutava
ao redor das fogueiras e permanecia na memória, como
um vinho que se podia beber pouco a pouco a fim de
reviver aquela embriaguez que tirava o ser humano do
mundo real e o levava a outro, feito de oásis e aventuras
sem fim, um mundo onde todos os sonhos podiam ser
realizados e no qual homens e mulheres viviam muitas
vidas e vivenciavam a morte.
MARIO VARGAS LLOSA
uma atividade que deve ter nascido e crescido com a
linguagem (...) Os contos e as histórias foram anteriores às
religiões e também seus rudimentos, as sementes que a
imaginação, o medo e o sonhos da imortalidade desenvolveriam
depois em mitos, teologias, sistemas filosóficos e
arquiteturas intelectuais fabulosas. Assim, junto à vida
verddeira, a do suor, da fome, da rotina, da doença, outra
vida surgiu, feita de palavras e fantasias. Vida que se escutava
ao redor das fogueiras e permanecia na memória, como
um vinho que se podia beber pouco a pouco a fim de
reviver aquela embriaguez que tirava o ser humano do
mundo real e o levava a outro, feito de oásis e aventuras
sem fim, um mundo onde todos os sonhos podiam ser
realizados e no qual homens e mulheres viviam muitas
vidas e vivenciavam a morte.
MARIO VARGAS LLOSA
RUBEM ALVES
As flores não têm porquês; florescem porque florescem.
Pensei que seria bom se também nós fôssemos como as plantas,
que nossas ações fossem um puro transbordar de vitalidade,
uma pura explosão de beleza que cresceu por dentro e não mais
pode ser guardada. Sem razões, por puro prazer. Mas as coisas
do mundo me dizem que não vivo no Paraíso, que não tenho o
direito de viver pelo prazer. Há deveres que me esperam, embora
eles me levem para bem longe da minha felicidade.
Pois dever é isto: aquela voz que me obriga a fazer o que não quero.
Sò podemos ser felizes quando formos como os ipês;
quando florescermos porque florescemos; quando ninguém
ordenar o que fazer, e o que fazemos é aquilo que a alma pede.
Uma pessoa boa, responsável, não é justamente esta que se
esquece dos seus desejos e obedece os desejos dos outros?
RUBEM ALVES
Pensei que seria bom se também nós fôssemos como as plantas,
que nossas ações fossem um puro transbordar de vitalidade,
uma pura explosão de beleza que cresceu por dentro e não mais
pode ser guardada. Sem razões, por puro prazer. Mas as coisas
do mundo me dizem que não vivo no Paraíso, que não tenho o
direito de viver pelo prazer. Há deveres que me esperam, embora
eles me levem para bem longe da minha felicidade.
Pois dever é isto: aquela voz que me obriga a fazer o que não quero.
Sò podemos ser felizes quando formos como os ipês;
quando florescermos porque florescemos; quando ninguém
ordenar o que fazer, e o que fazemos é aquilo que a alma pede.
Uma pessoa boa, responsável, não é justamente esta que se
esquece dos seus desejos e obedece os desejos dos outros?
RUBEM ALVES
ANTONIN ARTAUD
Fazer surrealismo não é levar o surreal para o real,
onde ele vai criar bolor e dormir, amontoar-se e depositar-se
nas vidraças bem ajustadas dos livros, mas elevar
materialmente o real até esse ponto em que a alma deve brotar
dentro do corpo e não parar de amotinar o corpo.
— É aquilo que o mundo ainda não conheceu e o surrealismo
não pôde fazer, porque a alma do homem atual é prisioneira de
um mau corpo que lhe proíbe toda a poesia e a força a viver
sob o irremissível pelourinho das leis, sejam de exército,
de policia, de igreja, de justiça ou de administração.
E são principalmente a igreja.
ANTONIN ARTAUD
onde ele vai criar bolor e dormir, amontoar-se e depositar-se
nas vidraças bem ajustadas dos livros, mas elevar
materialmente o real até esse ponto em que a alma deve brotar
dentro do corpo e não parar de amotinar o corpo.
— É aquilo que o mundo ainda não conheceu e o surrealismo
não pôde fazer, porque a alma do homem atual é prisioneira de
um mau corpo que lhe proíbe toda a poesia e a força a viver
sob o irremissível pelourinho das leis, sejam de exército,
de policia, de igreja, de justiça ou de administração.
E são principalmente a igreja.
ANTONIN ARTAUD
sábado, 15 de março de 2008
JEAN BAUDRILLARD
Só chega ao fim aquilo que tem destino certo, já que uma vez
chegando-se a ele resta apenas desaparecer. A espécie
humana só sobreviveu porque não tinha destino final.
Aqueles que quiseram lhe dar um destino geralmente
precipitaram-se para a destruição. E talvez seja por reflexo
de sobrevivência que grupos e indivíduos abandonam
pouco a pouco todo destino preciso, abandonam o sentido,
a razão e as Luzes a fim de conservar apenas a intuição
selvagem de uma situação imprecisa.
JEAN BAUDRILLARD
chegando-se a ele resta apenas desaparecer. A espécie
humana só sobreviveu porque não tinha destino final.
Aqueles que quiseram lhe dar um destino geralmente
precipitaram-se para a destruição. E talvez seja por reflexo
de sobrevivência que grupos e indivíduos abandonam
pouco a pouco todo destino preciso, abandonam o sentido,
a razão e as Luzes a fim de conservar apenas a intuição
selvagem de uma situação imprecisa.
JEAN BAUDRILLARD
BALTASAR GRACIÁN
O desejo é a medida da estima. Jamais se deve
contentá-lo por completo. O bom é duplamente
bom quando há pouco. O gozo pleno demais é
perigoso, pois é a causa pela qual se despreza
a mais alta perfeição. A única regra do prazer é
encontrar o apetite que se deixou esfomeado.
É preciso provocá-lo pela impaciência: o que
custa sofrimento contenta duplamente.
(BALTASAR GRACÍAN)
contentá-lo por completo. O bom é duplamente
bom quando há pouco. O gozo pleno demais é
perigoso, pois é a causa pela qual se despreza
a mais alta perfeição. A única regra do prazer é
encontrar o apetite que se deixou esfomeado.
É preciso provocá-lo pela impaciência: o que
custa sofrimento contenta duplamente.
(BALTASAR GRACÍAN)
SCHOPENHAUER
Refletir ponderadamente sobre alguma coisa antes de realizá-la;
porém, uma vez realizada, e sendo previsíveis os seus resultados,
não se angustiar com reflexões contínuas a respeito dos seus
possíveis perigos. Em vez disso, libertar-se completamente do
assunto, manter fechada a gaveta que o contém, tranquilizando-se
com a certeza de que tudo foi devidamente analisado a seu tempo.
Se, ainda assim, o resultado é negativo, é porque todas as coisas
estão submetidas ao acaso e ao equívoco.
Arthur Schopenhauer
porém, uma vez realizada, e sendo previsíveis os seus resultados,
não se angustiar com reflexões contínuas a respeito dos seus
possíveis perigos. Em vez disso, libertar-se completamente do
assunto, manter fechada a gaveta que o contém, tranquilizando-se
com a certeza de que tudo foi devidamente analisado a seu tempo.
Se, ainda assim, o resultado é negativo, é porque todas as coisas
estão submetidas ao acaso e ao equívoco.
Arthur Schopenhauer
ANDRÉ GIDE
Camarada, não aceites a vida tal qual a propõem os homens.
Não cesses de te persuadir que ela poderia ser mais bela,
a vida; a tua e a dos outros homens; não uma outra, futura,
que nos consolasse desta e nos ajudasse a aceitar sua
miséria. Não aceites. Quando começares a compreender que o
responsável por todos os males da vida não é Deus, que os
responsáveis são os homens, não te conformarás
mais com esses males.
André Gide
Não cesses de te persuadir que ela poderia ser mais bela,
a vida; a tua e a dos outros homens; não uma outra, futura,
que nos consolasse desta e nos ajudasse a aceitar sua
miséria. Não aceites. Quando começares a compreender que o
responsável por todos os males da vida não é Deus, que os
responsáveis são os homens, não te conformarás
mais com esses males.
André Gide
NIETZSCHE
Nos anos da juventude venera-se ou despreza-se e paga-se,
com justiça, muito caro o ter assaltado deste modo as coisas e
as pessoas com sim e não...
até que o homem aprenda a pôr um pouco de arte nos seus
sentimentos e prefira ousar fazer uma tentativa com o artificial:
tal como o fazem os verdadeiros artistas da vida: a juventude,
já de si, é algo que engana e falseia.
Mais tarde, quando a alma jovem, martirizada por mil desilusões,
se volta por fim, desconfiada, contra si mesma, ardente e selvagem
ainda, mesmo nas suas suspeitas e remorsos: como se encoleriza
consigo mesmo, como se dilacera com impaciência, como se
vinga da sua longa cegueira, como se ela tivesse sido voluntária!
NIETZSCHE
com justiça, muito caro o ter assaltado deste modo as coisas e
as pessoas com sim e não...
até que o homem aprenda a pôr um pouco de arte nos seus
sentimentos e prefira ousar fazer uma tentativa com o artificial:
tal como o fazem os verdadeiros artistas da vida: a juventude,
já de si, é algo que engana e falseia.
Mais tarde, quando a alma jovem, martirizada por mil desilusões,
se volta por fim, desconfiada, contra si mesma, ardente e selvagem
ainda, mesmo nas suas suspeitas e remorsos: como se encoleriza
consigo mesmo, como se dilacera com impaciência, como se
vinga da sua longa cegueira, como se ela tivesse sido voluntária!
NIETZSCHE
LYA LUFT
“Eu quis escrever livros desde que me lembro de mim.
Antes de aprender a ler, quando me contavam história
- e em minha casa contavam-se muitas -, achei que aquele
deveria de ser o melhor dos brinquedos.
Era o jogo que eu queria jogar quando fosse adulta:
inventar gente (na minha invenção eram todos minúsculos,
eu é que mandaria neles) e brincar com palavras,
sua música vibrando em meu pensamento ou pronunciadas
em voz alta quando achava que ninguém podia ouvir.
- Está de novo falando sozinha, filha?
- Não, mãe, eu estava só cantando.”
(Lya Luft – in “Mar de Dentro”)
Antes de aprender a ler, quando me contavam história
- e em minha casa contavam-se muitas -, achei que aquele
deveria de ser o melhor dos brinquedos.
Era o jogo que eu queria jogar quando fosse adulta:
inventar gente (na minha invenção eram todos minúsculos,
eu é que mandaria neles) e brincar com palavras,
sua música vibrando em meu pensamento ou pronunciadas
em voz alta quando achava que ninguém podia ouvir.
- Está de novo falando sozinha, filha?
- Não, mãe, eu estava só cantando.”
(Lya Luft – in “Mar de Dentro”)
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
DESISTIR
Há duas espécies de "desistir" ou de "largar". Há o desistir de apegos
e há o desistir em razão de dificuldades e decepções.
A pessoa que tem força e abertura interiores não "desiste" - mas larga
as ambições e os apegos; por conseguinte, ganha liberdade e confiança.
Porque não tem apego a uma certa maneira de ser, mas segue a verdade
dentro do seu coração, nenhum obstáculo ou decepção pode vencê-la.
A pessoa que desiste por que não pode controlar sua vida nem guiar-se
por si mesma não desiste totalmente; mantém certa determinação de
continuar, mas não tem a força ou a coragem de seguir suas inclinações
- limita-se a submeter-se ao que quer que esteja acontecendo.
Como não é capaz de largar suas ambições e emoções negativas,
não está claro para ela qual é o caminho certo e qual o caminho errado
- e portanto ela sofre na indecisão. Embora necessariamente não sinta
dor física, ela passa por um sofrimento psicológico - a dor de não ser capaz
de apreender o que deseja. O desejo por sensação a domina, e ela está
dividida dentro de si mesma.
Tarthang Tulku
e há o desistir em razão de dificuldades e decepções.
A pessoa que tem força e abertura interiores não "desiste" - mas larga
as ambições e os apegos; por conseguinte, ganha liberdade e confiança.
Porque não tem apego a uma certa maneira de ser, mas segue a verdade
dentro do seu coração, nenhum obstáculo ou decepção pode vencê-la.
A pessoa que desiste por que não pode controlar sua vida nem guiar-se
por si mesma não desiste totalmente; mantém certa determinação de
continuar, mas não tem a força ou a coragem de seguir suas inclinações
- limita-se a submeter-se ao que quer que esteja acontecendo.
Como não é capaz de largar suas ambições e emoções negativas,
não está claro para ela qual é o caminho certo e qual o caminho errado
- e portanto ela sofre na indecisão. Embora necessariamente não sinta
dor física, ela passa por um sofrimento psicológico - a dor de não ser capaz
de apreender o que deseja. O desejo por sensação a domina, e ela está
dividida dentro de si mesma.
Tarthang Tulku
ROLAND BARTHES
Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões
posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um.
O outro pelo qual estou apaixonado me designa a especialidade
do meu desejo.
Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes
(e talvez muitas procuras), para que eu encontre a Imagem que,
entre mil, convém ao meu desejo. Eis um grande enigma do qual
nunca terei a solução: por que desejo Esse? Por que o desejo por
tanto tempo, languidamente? É ele inteiro que desejo (uma silhueta,
uma forma, uma aparência)? Ou é apenas uma parte desse corpo?
E nesse caso, o que, nesse corpo amado, tem tendência de
fetiche em mim? Que porção, talvez incrivelmente pequena,
que acidente? O corte de uma unha, um dente um pouquinho
quebrado obliquamente, uma mecha, uma maneira de fumar
afastando os dedos para falar? De todos esses relevos do corpo
tenho vontade de dizer que são adoráveis. Adorável quer
dizer: este é meu desejo, tanto que único:
“É isso! É exatamente isso (que amo)!”
Roland Barthes - Fragmentos de um discurso amoroso
posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um.
O outro pelo qual estou apaixonado me designa a especialidade
do meu desejo.
Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes
(e talvez muitas procuras), para que eu encontre a Imagem que,
entre mil, convém ao meu desejo. Eis um grande enigma do qual
nunca terei a solução: por que desejo Esse? Por que o desejo por
tanto tempo, languidamente? É ele inteiro que desejo (uma silhueta,
uma forma, uma aparência)? Ou é apenas uma parte desse corpo?
E nesse caso, o que, nesse corpo amado, tem tendência de
fetiche em mim? Que porção, talvez incrivelmente pequena,
que acidente? O corte de uma unha, um dente um pouquinho
quebrado obliquamente, uma mecha, uma maneira de fumar
afastando os dedos para falar? De todos esses relevos do corpo
tenho vontade de dizer que são adoráveis. Adorável quer
dizer: este é meu desejo, tanto que único:
“É isso! É exatamente isso (que amo)!”
Roland Barthes - Fragmentos de um discurso amoroso
Aquele que não se leva a sério deve estar entre os mais sábios dos sábios,
e, como tal, vive a vida com suprema dignidade. Não se levar a sério
significa questionar constantemente os próprios valores, trocando-os
por outros sempre que isso possa enriquecer o conhecimento, mas
significa principalmente encarar a vida com humor, transmitindo-o aos
que o cercam como antídoto para os inevitáveis problemas do cotidiano.
As pessoas mais sábias são as que se conhecem profundamente.
Quanto mais instruída é uma pessoa, menos a sério ela se leva,
porque o conhecimento descoberto e adquirido torna nítidas a efemeridade
de todas as coisas, a luta insana pela posse de bens materiais e a
busca obsessiva da satisfação dos sentidos.
J. C. Ismael - Sócrates e a Arte de Viver
e, como tal, vive a vida com suprema dignidade. Não se levar a sério
significa questionar constantemente os próprios valores, trocando-os
por outros sempre que isso possa enriquecer o conhecimento, mas
significa principalmente encarar a vida com humor, transmitindo-o aos
que o cercam como antídoto para os inevitáveis problemas do cotidiano.
As pessoas mais sábias são as que se conhecem profundamente.
Quanto mais instruída é uma pessoa, menos a sério ela se leva,
porque o conhecimento descoberto e adquirido torna nítidas a efemeridade
de todas as coisas, a luta insana pela posse de bens materiais e a
busca obsessiva da satisfação dos sentidos.
J. C. Ismael - Sócrates e a Arte de Viver
HERMANN HESSE
Caminhando cada vez mais devagar, absorvido pelos pensamentos,
Sidarta perguntou-se a si mesmo: “Mas que desejaste aprender dos
teus mestres e extrair dos seus preceitos? Que será aquilo que eles,
que tanto te ensinaram, não conseguiram propiciar-te?”
E ele encontrou a resposta: “Era meu desejo conhecer o sentido
e a essência do Eu, para desprender-me dele e para superá-lo.
Porém não pude superá-lo. Apenas logrei iludi-lo. Consegui, sim,
fugir dele e furtar-me às suas vistas. Realmente, nada neste mundo
preocupou-me tanto quanto esse Eu, esse mistério de estar vivo,
de ser um indivíduo, de achar-me separado e isolado de todos os
demais, de ser Sidarta! E de coisa alguma sei menos do que sei
quanto a mim, Sidarta!”
Hermann Hesse - Sidarta
Sidarta perguntou-se a si mesmo: “Mas que desejaste aprender dos
teus mestres e extrair dos seus preceitos? Que será aquilo que eles,
que tanto te ensinaram, não conseguiram propiciar-te?”
E ele encontrou a resposta: “Era meu desejo conhecer o sentido
e a essência do Eu, para desprender-me dele e para superá-lo.
Porém não pude superá-lo. Apenas logrei iludi-lo. Consegui, sim,
fugir dele e furtar-me às suas vistas. Realmente, nada neste mundo
preocupou-me tanto quanto esse Eu, esse mistério de estar vivo,
de ser um indivíduo, de achar-me separado e isolado de todos os
demais, de ser Sidarta! E de coisa alguma sei menos do que sei
quanto a mim, Sidarta!”
Hermann Hesse - Sidarta
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008
RAINER M. RILKE
O destino gosta de inventar desenhos e
figuras. A sua dificuldade reside no que
é complicado. A própria vida, porém, tem
a dificuldade da simplicidade. No amor,
sempre a amante ultrapassa o amado,
porque a vida é maior do que o destino.
A sua entrega quer ser sem medida: esta
é a sua felicidade. A dor inominada do seu
amor, foi sempre esta: exigirem-lhe que
limitasse essa entrega.
(RAINER MARIA RILKE)
figuras. A sua dificuldade reside no que
é complicado. A própria vida, porém, tem
a dificuldade da simplicidade. No amor,
sempre a amante ultrapassa o amado,
porque a vida é maior do que o destino.
A sua entrega quer ser sem medida: esta
é a sua felicidade. A dor inominada do seu
amor, foi sempre esta: exigirem-lhe que
limitasse essa entrega.
(RAINER MARIA RILKE)
KRISHNAMURTI
A vida é como um rio: move-se incessantemente, procurando,
explorando, penetrando cada fenda com suas águas. A mente
não se permite ser como um rio, para ela é arriscado viver em
estado de impermanência; então ela constrói muros em torno
dela: o muro da tradição da religião, das teorias sociais e políticas.
Família, posses, pequenas virtudes -- tudo está dentro dos muros.
A vida é movimento, impermanência, e ela tenta penetrar, romper
esses muros, atrás do qual se esconde a confusão. Os deuses
dentro dos muros são falsos deuses, e seus escritos e filosofias
não têm significado porque a vida está além deles. A mente que
busca permanência se torna estática. Apenas a mente sem muros
se move juntamente com a vida, e somente assim pode ser feliz
e eternamente nova, porque é criativa em si mesma.
KRISHNAMURTI
explorando, penetrando cada fenda com suas águas. A mente
não se permite ser como um rio, para ela é arriscado viver em
estado de impermanência; então ela constrói muros em torno
dela: o muro da tradição da religião, das teorias sociais e políticas.
Família, posses, pequenas virtudes -- tudo está dentro dos muros.
A vida é movimento, impermanência, e ela tenta penetrar, romper
esses muros, atrás do qual se esconde a confusão. Os deuses
dentro dos muros são falsos deuses, e seus escritos e filosofias
não têm significado porque a vida está além deles. A mente que
busca permanência se torna estática. Apenas a mente sem muros
se move juntamente com a vida, e somente assim pode ser feliz
e eternamente nova, porque é criativa em si mesma.
KRISHNAMURTI
JEAN BAUDRILLARD
Hoje julgamos todas as coisas a partir de um encadeamento
real e racional. Mas com a mesma força e razão poderíamos
referi-las a um encadeamento irracional -- basta inverter a
perspectiva de uma transcendência providencial para uma
transcendência maléfica. Ficaríamos menos desesperados
se pensássemos que cada desgraça estaria justificada com
relação a uma ordem do mal. Tal é a regra do otimismo radical.
É preciso fazer do mal a regra do jogo. É então que a exceção
passa a ser a da felicidade. É a alegria que se torna fatal.
Confere ao bem e à felicidade um prestígio novo: o de uma
miraculosa exceção.
JEAN BAUDRILLARD
real e racional. Mas com a mesma força e razão poderíamos
referi-las a um encadeamento irracional -- basta inverter a
perspectiva de uma transcendência providencial para uma
transcendência maléfica. Ficaríamos menos desesperados
se pensássemos que cada desgraça estaria justificada com
relação a uma ordem do mal. Tal é a regra do otimismo radical.
É preciso fazer do mal a regra do jogo. É então que a exceção
passa a ser a da felicidade. É a alegria que se torna fatal.
Confere ao bem e à felicidade um prestígio novo: o de uma
miraculosa exceção.
JEAN BAUDRILLARD
CARLOS NEJAR
Ó eternidade... como temos que enterrar o que somos,
aos poucos, depois o que não somos nem seremos
nunca... E toda a terra conhece por demais a
extravagância humana, a ponta da alma enfiada
na piedade. Com a derradeira, porosa escuridão.
A eternidade não seria pequena aos nossos mais
perfeitos sonhos?
Não, a eternidade são os nossos mais perfeitos sonhos.
CARLOS NEJAR
aos poucos, depois o que não somos nem seremos
nunca... E toda a terra conhece por demais a
extravagância humana, a ponta da alma enfiada
na piedade. Com a derradeira, porosa escuridão.
A eternidade não seria pequena aos nossos mais
perfeitos sonhos?
Não, a eternidade são os nossos mais perfeitos sonhos.
CARLOS NEJAR
FERNANDO PESSOA
Há uma erudição do conhecimento, que é propriamente o
que se chama erudição, e há uma erudição do entendimento,
que é o que se chama cultura. Mas há uma erudição da
sensibilidade; que nada tem a ver com a experiência de vida.
A experiência da vida nada ensina, como a história nada informa.
A verdadeira experiência consiste em restringir o contato
com a realidade e aumentar a análise desse contato. Assim a
sensibilidade se alarga e aprofunda, porque em nós está
tudo; basta que o procuremos e saibamos procurar.
FERNANDO PESSOA
que se chama erudição, e há uma erudição do entendimento,
que é o que se chama cultura. Mas há uma erudição da
sensibilidade; que nada tem a ver com a experiência de vida.
A experiência da vida nada ensina, como a história nada informa.
A verdadeira experiência consiste em restringir o contato
com a realidade e aumentar a análise desse contato. Assim a
sensibilidade se alarga e aprofunda, porque em nós está
tudo; basta que o procuremos e saibamos procurar.
FERNANDO PESSOA
BALTASAR GRÁCIAN
Conhecer os próprios defeitos é tarefa árdua.
Até o homem mais perfeito não escapa deles.
Existem defeitos do intelecto, e eles são maiores
- ou se notam mais facilmente - em pessoas de
grande inteligência. Não porque a pessoa não
tenha consciência deles, mas porque os ama.
Dois males em um: afeição irracional, concedida
aos vícios. Trata-se de manchas no rosto da
perfeição. Aqui o esforçado deve vencer a si
mesmo, pois os defeitos são notados rapidamente
por todos. Em vez de admirarem nosso talento,
repisam nosso defeito, usando-o para diminuir
nossos outros dons.
(BALTASAR GRÁCIAN)
Até o homem mais perfeito não escapa deles.
Existem defeitos do intelecto, e eles são maiores
- ou se notam mais facilmente - em pessoas de
grande inteligência. Não porque a pessoa não
tenha consciência deles, mas porque os ama.
Dois males em um: afeição irracional, concedida
aos vícios. Trata-se de manchas no rosto da
perfeição. Aqui o esforçado deve vencer a si
mesmo, pois os defeitos são notados rapidamente
por todos. Em vez de admirarem nosso talento,
repisam nosso defeito, usando-o para diminuir
nossos outros dons.
(BALTASAR GRÁCIAN)
IBSEN
Há verdades que alcançaram uma idade tal,
que realmente sobreviveram a si mesmas. E,
quando se tornam velhas assim, estão a
caminho de se transformar em mentira. As
verdades que envelhecem tornam-se decrépitas
e duvidosas. Podem às vezes ser utilizadas
artificialmente, mas não têm vida. Isso explica
por que, quando as pessoas ficam desapontadas
com as novas idéias, o retorno às velhas não
ajuda muito. As idéias podem ser velhas demais.
(IBSEN)
que realmente sobreviveram a si mesmas. E,
quando se tornam velhas assim, estão a
caminho de se transformar em mentira. As
verdades que envelhecem tornam-se decrépitas
e duvidosas. Podem às vezes ser utilizadas
artificialmente, mas não têm vida. Isso explica
por que, quando as pessoas ficam desapontadas
com as novas idéias, o retorno às velhas não
ajuda muito. As idéias podem ser velhas demais.
(IBSEN)
ORÍGENES LESSA
O BICHO HOMEM
Nunca vi bicho mais feroz do que o homem, animal que
vive armado. Alguém já viu cachorro de faca, de metralhadora
ou de bomba? O cão, quando luta, sempre em legítima defesa,
ou na defesa de seus amigos humanos, é na garra, é no dente.
O homem, pouco confiado nos seus braços e dentes
(a maior parte usa dentadura), inventou os meios mais
terríveis de destruição. Nem gosto de falar.
Tive um amiguinho japonês (cachorro, bem entendido) que
contava de duas cidades de seu país completamente
destruídas por uma tal bomba atômica.
Trabalho de americano... Gente que dizem gostar muito de
cachorro... Morreu gente e cachorro, naquelas explosões, de dar pena.
Os homens se desróem de maneira espantosa e às vezes
curiosa. Quando um mata um, é preso. Fazem discursos, falam
muito, o assassino, conforme o caso é condenado.
Quando mata uma porção, ganha medalha.
Torna-se herói. São as tais guerras, que duram tempos sem fim.
Sempre na base de instrumentos poderosos de destrição.
Nós raramente temos guerras, mas é sempre na base leal do
corpo a corpo, do dente a dente. É muito mais nobre.
Orígenes Lessa, Confissões de um Vira-Lata.
Nunca vi bicho mais feroz do que o homem, animal que
vive armado. Alguém já viu cachorro de faca, de metralhadora
ou de bomba? O cão, quando luta, sempre em legítima defesa,
ou na defesa de seus amigos humanos, é na garra, é no dente.
O homem, pouco confiado nos seus braços e dentes
(a maior parte usa dentadura), inventou os meios mais
terríveis de destruição. Nem gosto de falar.
Tive um amiguinho japonês (cachorro, bem entendido) que
contava de duas cidades de seu país completamente
destruídas por uma tal bomba atômica.
Trabalho de americano... Gente que dizem gostar muito de
cachorro... Morreu gente e cachorro, naquelas explosões, de dar pena.
Os homens se desróem de maneira espantosa e às vezes
curiosa. Quando um mata um, é preso. Fazem discursos, falam
muito, o assassino, conforme o caso é condenado.
Quando mata uma porção, ganha medalha.
Torna-se herói. São as tais guerras, que duram tempos sem fim.
Sempre na base de instrumentos poderosos de destrição.
Nós raramente temos guerras, mas é sempre na base leal do
corpo a corpo, do dente a dente. É muito mais nobre.
Orígenes Lessa, Confissões de um Vira-Lata.
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